sábado, 9 de março de 2013

A|B|V

Éramos em torno de muitos. Ninguém se preocupava com uma quantidade exata na época. Apenas se éramos um número suficiente para vencer, para guardar segredo e conseguir se concentrar ao mesmo tempo. E na melhor das hipóteses, nós éramos.

Quando percebemos, no ultimo momento, que tinham nos feito de idiotas, a festa já havia começado há muito mais tempo. Estava bom demais pra ser verdade. No fundo, confesso, que até chegamos a achar estranho, já que o voto por cabeça seria muito fácil para nós, seria como se estivessem nos entregando a nação. Mas como não éramos convidados para uma reunião daquelas a mais de um século, a maioria de nós deixou-se ludibriar.

Não demorou muito para anunciarem que o voto seria por setor. Os nossos olhares de choque eram impagáveis, quer dizer, eu bem que exibia um sorriso de quem não estava surpreso, mas sem deixar de indignar-me; na certa, morreríamos ali.

Os outros dois setores juntaram-se contra nós em todas as decisões. Era como se fosse apenas mais uma reunião sem nós, como se o século de nossa ausência continuasse independente da nossa presença. Na verdade, pior, foi como se nossas próprias cadeiras rissem da nossa cara, como se tivessem sido presentes ilusórios para as crianças se contentarem. Cada gota de tinta dos quadros nas paredes nos olhavam desacreditadas, com a nossa ingenuidade.

Um tapa na cara, isso é que foi.

Contudo não sairíamos perdendo, pelo contrário, se eles não tivessem nos convocado e houvessem deixado tudo como era, mesmo que injusto e absurdo, nós continuaríamos não fazendo nada, pelo menos por mais algum tempo, pois dizem que quando uma revolução tem que acontecer, nada a impede. Mas no fundo eu nunca vou saber, pois eles nos convocaram e nós a fizemos.

Saímos daquele salão manchado de mentiras para outro que iria ser manchado de sangue. Até hoje, não entendo como não nos viram, mesmo em muitos. Os corredores do Palácio nos escondeu noite adentro, pelos minutos intermináveis que nós corríamos. Chegava a ser um pouco horripilante ver as sombras de tantos homens em movimento, sendo projetadas até o teto dos corredores. Nosso estômago ardia em medo e ansiedade.

Pelo o que me lembro, a pior parte foi quando passamos pela galeria dos espelhos e pudemos ver de relance, as faces tensas, suadas e talvez, até um pouco arrependidas de nossos companheiros. Reunimos-nos numa sala que de tão escura, não pude identificar se era mais uma sala de espelhos, ou se era o salão dos jogos, mas ali alguns líderes já apareceram.

Em meio a alguma desordem, nós juramos com toda nossa dignidade furada de homens comuns, que o que ocorrera naquela noite, até então mentirosa, jamais voltaria a acontecer. Juramos que tomaríamos a cidade em nossas mãos, depois a nação, e por fim faríamos ali uma nova Assembleia.
Assim foram nossos primeiros atos. E os segundos, não foram muito diferentes.


Já faz duas semanas que os motins se organizam por toda a capital, mas o de hoje será o maior. Ouvi dizer de um dos influentes que depois da Tomada o terror se alastrará e todos os militares terão que escolher um lado. Que fiquem do nosso, que sejam liberais e justos junto a nós, porque se não forem não sobrará espaço para eles.

Aqui estamos em torno de... Muitos, mas preparados. A noite já cai e vamos sair pelas vielas em direção a ela. Alguns guardas estão sendo mortos pelo caminho, mas não há muito o quê se fazer diante da quantidade de prisioneiros que teremos que libertar, não poderá haver muitos empecilhos.

Não precisa de muito para ver alguns receosos entre nós, mas precisa-se de menos ainda para ver o fervor nos olhos dos homens, não há espaço para mais nada, tudo tem que mudar e mudará agora.

Vou poupar-lhes de detalhes, só dizer que acabamos de quebrar as portas da Bastilha e o barulho arrepiou cada um de nós. Estamos todos ansiosos, há guardas por toda parte.

Mas onde estão os prisioneiros? Celas vazias por todo o caminho.
O chão gelado perfura nossos finos calçados e as lanças tremem em nossas mãos. Não se ouve um barulho, á não ser um grito de um de nós sendo morto, ás vezes, por algum guarda. Nossos passos são sós.


Por fim, encontramos um menino, devia estar ali por pedir esmolas nas ruas. Também um louco, com certeza um maníaco a julgar pelas ideias e pela tremedeira. E uma mulher, mais nada.

Os olhares com uma ponta de decepção disfarçada no triunfo apareceram, e duraram até poucos dias depois, quando finalmente vimos o que fizemos; o terror se alastrara por toda a capital. Não se sabia que lado temia mais o outro, nós ao rei ou o rei a nós.
Agora era preciso continuar e lutar.


 
 
Barbara (há um tempo atrás)

 

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