quinta-feira, 30 de maio de 2013

Compadecer (no reflexivo)

Penso naqueles momentos em que se ouve o outro contar uma experiência de quase morte. E se pensa nas tragédias que aquele momento pode ter implantado na vida deste outro;  que se talvez fosse você, você não teria conseguido; mas que você também pensa, que gostaria de estar no lugar dele. Por mais que se ouça todas as monstruosidades que aconteceram com aquele, e após de fato entender, que por um triz ele não morreu. Apesar de tudo isto, você o inveja. Inveja-o por ter sido privilegiado entre tantos, no quesito quase morrer. Inveja-o por ter de fato quase morrido e ter sobrevivido. Inveja aquele olhar que agora ele carrega. E chega a desejar que tivesse sido você em seu lugar. Não por compaixão, mas por vaidade. Porque queria ser você, aquele com um real motivo para (re)significar a vida.
Esta é uma das primeiras mudanças que nos permeiam e já são identificáveis, em relação àqueles que viveram – principalmente a primeira metade – o século XX. O desejo por um ápice em nossas vidas; uma catarse ocasionada de preferência por uma catástrofe; algo que suscite a dor e o sofrimento de forma intrinsecamente insuportável. Para que só assim transforme nossas vidas, pois não somos capazes de fazer isto sozinhos. E o fazemos de forma banal todos os dias.
Talvez de fato, uma das maiores curas para o nosso mundo, seja a felicidade. Permitir-se ser feliz. Desapegar da necessidade do sofrimento; como um catalisador para a produtividade; como a única opção correta; como algo natural; como algo impossível de ser evitado; como um objeto de desejo.



Lhe dou a solidão de presente



Como é possível viver no presente de forma plena, se a todo instante o futuro se mostra com clareza? Como não deixar a ansiedade tomar-lhe conta por inteiro? Que tipo de maturidade e equilíbrio se deve ter?
Aparentemente, estas respostas circundam as mesmas respostas de: Quantos fios de cabelo há em tua cabeça? Há quantos anos existe aquela montanha? Quantos anos tem aquele olhar?



Quando a gente passa tanto tempo vivendo de forma transparente,
e esquecemos que estão nos observando.


Barbara

sábado, 25 de maio de 2013

P.A.


Precipitar-me: transformar-me em sólido, em meio a todo líquido que me abriga e
                         afundar. = sair do equilíbrio natural e me dispor fora do sistema em
                         que me encontrava.



Gostar

Se vejo, fraquejo
Se não vejo, finjo que esqueço

Se falo, pouco digo
Se não falo, penso que desisto

Se ouço (ao longe), estremeço
Se não ouço (por perto), esmoreço

Se toco, por pouco não vivo
Se não toco, acho que não existo.




Aceito

- Não sei por onde começar.
- Então comece daí.
- Daqui?
- Não, daí.
- Dali?
- Isso, Dalí começou daí.
- Daqui?
- Não! Daí.
- Daí?
- Isso.
- Mas daí, não é daqui pra você?
- Que bobagem.
- Não entendo.
- O meu daqui ta lá.
- Ta la?
- É.
- Então saí daí, pra eu começar daí.
- Mas eu to aqui.
- Ai?
- Não, aqui.
- Aqui?
- É.
- Se você está aqui, e é pra eu começar daí. Eu já estou no lugar de começar.
- Você já começou.


 
Irritando modernistas

CRAVO PROSA
CAVO ROSA
CAVO PROSA CRAVO ROSA
PROSA: CAVO CRAVO ROSA

Pensando bem, sem filhos.


Barbara

domingo, 19 de maio de 2013

Não entendendo


Tragicomédia

Quando me arrependo,
enrubesço
aperto os olhos
dolorido sorriso
sobrancelhas apertam
vergonha
calor
enrubesço
vácuo do estomago
olhos tampados
gemo
escondo-me
imóvel
repenso
relembro
dolorido prazer
enrugo-me
quase choro
aceito
respiro
distraio-me.


*

- Mas como você pode ter feito esta viagem?
- Já disse, é uma massa de ar.
- Mas, por cima do oceano?
- Sim, Atlântico.
- Por cima de uma extensão quase infinita, com risco de cair em abismos profundos?
- É.
- Por cima de um dos maiores oceanos do mundo, sujeitos a qualquer mudança de rota?
- Não há nenhuma mudança de rota. Faz séculos que a rota é a mesma.
- Como você sabia disto antes de sair? É uma viagem de ida! Quem vai não volta pra contar!
- Não é bem assim.
- Por favor! Não me fale que tudo está interligado, e que você sentiria.
- Mas eu sentiria...
- Ahh! (pausa longa) Tudo bem. Vocês viajam toda esta extensão?
- Sim.
- Por cima de colunas e colunas de água?!
- Sério?
- Desculpe. Através de uma massa de ar?
- É.
- Chegam aqui e se dirigem exatamente para este local?
- Sim.
- Para fertilizar-nos?
- Não sei se fertilizar é a palavra, mas para agregar e enriquecer.
- Essa é boa! Vocês vem do lugar mais autoritário do mundo, do império do sol, onde não se permite nenhuma criatura sobreviver ao ar livre durante 60% do dia. Do lugar que nada restou, que tudo se estende de forma longínqua e intermitente, onde nada mais brota. Para vir aqui e agregar e enriquecer um dos lugares mais ricos do mundo? Onde há mais vida e cores? Me diga por favor.
- Dizer o que?
- Se é isto que vocês vem fazer.
- Sim, é isto.
- É isto?
- Exatamente isto.
- Oras, não compreendo.


Barbara

quinta-feira, 16 de maio de 2013

O Outro

Ontem escrevi:



Hoje, pela primeira vez na vida, desejei poder ficar invisível. Para ser apenas para mim mesma. Para a minha imagem não ser encontrada por mais ninguém. E para ela não encontrar.

Queria poder ficar entre a multidão, sem a multidão estar comigo, e poder sentir estes arrepios sem ser notada. Hoje eu não queria me dividir – ser roubada de mim mesma.

Hoje eu queria só viver. Mas para isso ninguém pode ter-me no horizonte. Pois sob o olhar de qualquer um, minha existência não é legitimamente pura. Se outro me nota, mesmo que sem me conceber de fato em sua consciência, eu passo a olhar-me no reflexo de seus olhos, e deixo-me para trás.

Esqueço de mim na minha verdadeira essência, e acabo por considerar como verdadeira aquela que o outro me tem.

É neste momento que todos se perdem. No convívio intenso com uma ou mais pessoas, esquecem-se do seu eu verdadeiro – esquecem-se de olhar para dentro, e só vêem em frente – enxergando-se apenas refletidos nos olhos do outro.

Se o outro fosse um espelho de vidro, talvez esta imagem quase se equivalesse de forma íntegra a realidade – mas Alice tem razão –, mas não é.

Trata-se do reflexo nos olhos do outro, em um azul, em um castanho, em um acinzentado, e quem sabe ainda imerso em um verde. Não representando apenas a ti mesmo, mas somado a tudo que emerge do outro.

A convivência nos desloca um pouco de nós mesmos. Daí, o oposto ser tão forte: aquele que se transforma sazonalmente em um ermitão, partindo para caminhar no deserto sozinho ou apenas valoriza seus momentos de solidão – não no sentido cinza chumbo, mas no azul marinho ou salmão – se reconhece e conhece essencialmente cada vez mais. Seus olhos estão sempre voltados para dentro, ao passo que mesmo quando está disposto a olhar o que o rodeia – em um certo raio de distancia – é só a si mesmo que enxerga, pois seu reflexo não se encontra em nenhum outro olhar.

De todos as questões que podem ser tiradas disto, atento-me a;

Apenas sozinho vejo apenas a mim mesmo, verdadeiramente;
Ao olhar os outros, “distantemente”, continuo enxergando apenas a mim;
Contudo, acompanhado, enxergo-me misturado a aqueles que vejo de perto, sendo incapaz de me deslocar de suas figuras, para ver-me de forma verdadeira;

Penso, portanto: Preciso sempre me distanciar para ver minha verdadeira face? Junto ou separado não consigo enxergar o outro de forma sincera? Eu sempre partirei de mim para vê-lo?

Então escolherei permanecer fiel a mim mesmo ou distanciar-me de mim para ser fiel com o outro?

Abro mão de uma visão íntegra do meu espírito, e me compartilho?

Como expandir minha consciência para viver em conjunto, preservando meu espírito sem interferir de maneira rude, naquele que me acompanha?

Como agregar sem despedaçar?

Dou-lhe minha alma, mas não fique com nenhum pedaço dela.



Barbara

domingo, 12 de maio de 2013

Material


Não começo com algo novo. Mas exatamente de onde parei no movimento de ontem. Não tive um grande insight que me lavasse, muito menos um período foi encerrado. Continuo na mesma enxurrada sem freio que descrevi no inicio do outro mês e em tudo o mais que se sucedeu. A única diferença é que agora tenho algumas chaves no bolso.


Respiro pó
Empurra
a garganta segura,
agrega.

- A linguagem expressa também (é) uma prática?


[Exigência]
Preciso ligar o fogo baixo,
tudo está assando
muito rápido.


- Como se pode estar ansioso pelo sofrimento?

Só precisa de uma sugestão absurda para aliviar a tensão do momento, e permitir a solução se aproximar.
Soluções são bichinhos delicados, não se aproximam de lugares de risco onde tenham palavras afiadas, sentimentos cortantes ou pensamentos perigosos.
Soluções são ariscas, preferem chegar de mansinho em um ambiente tranquilo, para só então serem abordadas com cordiais cumprimentos. Se forem encurraladas assim que no horizonte avistadas, desaparecem de imediato.
Não adianta chorar ou  implorar para voltarem. Elas se esconderão de baixo de uma pedra comum a sua volta, de preferência embaixo do seu nariz. E dali não sairão mais. Não adianta fingir desinteresse, elas captam seu desespero pelo cheiro.
Por isso eu sugiro a criatividade. Transforme tudo no mais absurdo que sua mente pode suportar, no mais além que suas mãos podem tocar,  até qual horizonte seus olhos podem enxergar e deixe a sensação se apoderar. Uma vez tomado pelo absurdo, a solução há de chegar.
Você nunca foi muito bom com nonsense, meu bem, deixe esta parte pra mim.



“quem pede às almas
as almas dá
filho de bemba é que não sabe aproveitar”


- O que a ti significa?

Barbara