quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Noel de polo.

O que me aconteceu hoje pela manhã não é muito corriqueiro na vida das pessoas, mas confesso, que sempre há uma chance de acontecer. Espero que no fim, isto pelo menos signifique uma boa sorte para este ano que está chegando.

Nesta manhã do dia 18/12/2013 as 7h40 eu estava saindo de casa.
O incomum é que foi o horário mais tarde que eu consegui sair de casa no ano inteiro.
O comum é que eu estava aflita como sempre, carregando minhas costumeiras três bolsas e dois bolos, como sempre.
O inesperado foi que ao abrir da porta do elevador, alguém já estava dentro. E não era ninguém mais ninguém menos do que Noel.
Sim, o velhinho. Pequeno, barrigudo, com a barba branca preenchida, óculos de meia lua, olhos azuis, o seu gorro vermelho, só que de calça cáqui e uma camisa polo listrada.
Minha reação? Quase derrubei os dois bolos e soltei um grito. Não consegui entrar.
Ele segurou a porta e me disse, olhando por cima dos óculos:
- Você não está sonhando, está acordada.
Fiz que sim com a cabeça e entrei com os dois olhos tão arregalados que minha sobrancelha sumia entre meus cabelos.
Pensei: “Ok, aceito. Serei sua ajudante. Dentre toda a população mundial, ele me escolheu para entregar os presentes... Tudo bem, é isso”.
Mas ele continuou:
- Me atrasei... Poxa, acordei 5h30 da manhã e atrasei! Pensei, vou dormir um pouco mais, mas ai, já viu né?
- Não se preocupe, isso acontece com todo mundo. – Arrisquei – Até com o Papai Noel.
Ele me olhou com olhos de compreensão e assentiu.
- Bom, fazer o que?...
Meu sorriso estava instalado de orelha a orelha, provavelmente já estava a ponto de assustá-lo.
O elevador parou no térreo e ele desceu, mas antes da porta fechar, ele se voltou e a segurou:
- Vai continuar?
E eu mais uma vez pensei: “A transmitir a mensagem de Natal? Claro! Serei sua emissária!”, mas ao ver a minha falta de reação continuou:
- Pra garagem?
- Sim sim! Vou vou.
- Até mais.
Incrédula, pensei ter sofrido alucinações. É o fim de ano.
Mas com o carro já saindo da garagem, olhei pelo retrovisor e lá estava ele. Esperando sua carona, impacientemente. De fato, renas podem atrasar no transito de Santo André mesmo.
Não resisti e tirei uma foto.



Barbara

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Perspectiva


- Cara! – Sorriso largo – To animado!
O outro apenas lança um olhar incrédulo.
- To animado! Dá uma olhada aqui, olha... – Apontando para o próprio braço arrepiado – Olha olha subindo tudo!
- Qual é o seu problema?
- Uou! – Lança as duas mãos para o alto – Não consigo me segurar!
- Como você pode estar animado? Você está chorando?
- Acho que sim, cara... Como não estar? Tudo está vindo de uma vez! – Corre alguns metros pra frente, flexiona os joelhos e estreita a vista com as mãos – Acho que já consigo avistar!
- Não! – Grita e corre até o outro, e depois sussurra – Tem certeza?
- Hum... Não. Nadinha, necas. Mas não tem problema, com certeza está a caminho.
- Problema... Tem problema sim! Como você pode estar animado com o tu-tu... tu-turbilhão!?
- O que você acha que vai vir primeiro? – Seus olhos disparavam faíscas – O vento? Aposto que será o vento! Vai começar como um brisa rasteira, bem baixinho... Aqui, perto do chão. E de repente, subirá com  tornados!
- Não! Não será o vento!
- Não? Tem razão. Raios, desta vez aposto em raios. Lindos e eternos no céu! Mal  posso esperar!
- Não! Sem raios!
- Sem raios? Não seja tolo, em algum momento haverá raios. Mas tudo bem, pode não ser no começo.
- Não terá nada! Nem no começo, nem no meio, nem no fim. – Seus olhos estavam transtornados.
- Do que você está falando? O turbilhão! Já sabemos que chegará faz tempo, e...
- Não sei do que você está falando.
- Como não sabe? – Agora era ele quem estava incrédulo – Falávamos disto agora há pouco, e... Espera. Já sei.
Parou de falar e empurrou o amigo, que num pequeno desequilíbrio voltou depois ao seu lugar lançando-lhe um olhar de incompreensão.
Tomou distancia mais um vez, e agora correndo, empurrou-o mais forte. E depois de novo, e de novo, e de novo, e de novo. Até derrubá-lo e fazer com que saísse a persegui-lo em círculos.
- Pára! Respira! Está sentindo?
- O que? – Arfando.
- Seus pés queimarem? Está sentindo que o chão aqueceu?
- Sim... -  Começando a ficar incomodado com aquilo...
- Foi assim. Foi isto que sentimos da ultima vez, lembra? Primeiro os animais sentiram e se foram, demoramos meses para entender. Depois as crianças começaram com os desenhos, e colocamos a culpa nas mulheres. Mas desta vez sabemos o que é, ah sim, sabemos sim. Será como da ultima vez, o chão já está se aquecendo, a brisa mudará de direção, o céu ficará improvavelmente com aquelas cores, e as rachaduras e enchentes chegarão, e só nos restará...
- Correr... – Tinha os olhos perdidos no horizonte.
- É, correr. – Seu sorriso largo havia voltado – Correr mais uma vez, mal posso esperar. E você se lembra porquê, não se lembra? Como era a nossa vida antes do turbilhão?
- Medíocre.
- Sim, sim medíocre. E quando começamos a correr, no que nos tornamos?
- Titãs. Gigantes e nervosos.
- É isso ai. Vivos como nunca antes estivermos. Pois no meio do turbilhão não há vez, cada passo é decisivo. Só sobramos nós dois da ultima vez, não é?
- Nossas famílias morreram...
- É... Bom, mas é porque só nós fomos fortes. O turbilhão é soberano, ele escolhe quem vai e quem fica.
- Vou morrer...
- Não vai, cara. Vamos passar... Está sentindo?
- Sim, o calor.
- O calor... E agora as pedras saltarem.

O turbilhão viria mais uma vez, só que quando viesse, ele lembraria do rosto da família e tudo não seria mais tão simples.


Barbara

domingo, 17 de novembro de 2013

Quandos

Num quando de antes


Havia um tempo em que tudo respirava. Estava mais do que vivo; tudo vivia.
Era um tempo em que respirar não atestava viver. Mas uma constatação de existir.
Um homem de hoje se, por uma golfada de ar do destino, fosse catapultado para aquele quando, provavelmente enlouqueceria. E o primeiro – dos infinitos – motivo seria se deparar com outro silêncio.
Onde tudo respira não há brechas, a todo instante se ouve inspirações e expirações, o silêncio é outro. Não é vazio, não é branco. Mas pulsante e verde.
A única maneira de sobreviver a ele é estar tão sincronizado, que sua respiração acontece no mesmo ritmo.


No quando de hoje

Os espinhos não estão no chão
mas em meu pé
Eles não estão ali desde sempre
mas aparecem
Mesmo que nascidos de mim
são um corpo estranho
Um. A. Um.
fincam-me o calcanhar.

Viver hoje implica ser um corpo estranho para o próprio corpo.
Ser contemporâneo é estar eternamente em conflito consigo.



*

Você me vê
E de tão encantado
perde a fala.
E tua alma sobe
e te engasga.
Você quer me dizer
e desesperado estala a boca,
debate a língua
ritmiza o corpo
procurando a fala.
E deste som
nasce sua palavra.
Primeira que conta.
Então diz
que me ama.
Entro em ebulição
perco a fala.



Barbara

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Ayrton


Sumiu. A localização é necessária e incondicional.
Primeiro pela afeição, não podemos viver com a possibilidade de estar perdido.
Segundo pela segurança, não dele, mas daqueles que podem cruzar o seu caminho.

A questão é que ele mordia. Não podia, mas mordia.
A questão é que ele mordia. Quando menos se esperasse, lá se ia uma ponta de um dos dedos.
Mesmo que avisassem sobre a sua presença no recinto, ninguém lhe conferia muito crédito.
Mesmo que avisassem entre dentes, com um sorriso nervoso, que ele chegaria, ninguém mudava a própria rota.

A questão é que ele mordia. E morder era algo que não fazia parte de sua genética.
A questão é que ele mordia e não havia critérios.
Mas o caso ia além. Ayrton não só mordia, como corria.

Correr era tão fora de sua espécie quanto morder. Mas, em terras como aquela, onde o chão fervia, isso era de se esperar.
Ayrton corria, não seguia, nem acompanhava. Corria a frente.

Ayrton é um cágado.
Um cágado que morde e corre.
E está perdido.

Ajude-nos a localizá-lo.


Barbara

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Sendo

A respeito disso nada digo
do tamanho me engasgo
e a mim tudo bloqueia.

E deste impasse
tenho o mais fluido,
a memória mais corrente,
e desta corrente
aquilo que me prende.

Quanto mais força pra correr,
mais quero ficar
pois se daqui veio
aqui pertenço estar.

Tudo já foi feito
e no horizonte a trabalhar,
ah, o impasse de onde se estar
pelo fazer se apaixonar.


"Fora a trovões ou foi tiro?
... com o tempo virou rotina"


Vive-se enquanto decanta
Não há como esperar decantar, alinhar e se firmar por completo, antes de voltar a andar.
Anda-se, e ao andar, se decanta.



Barbara

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Reconhecendo (I)


Tudo se trata de quando um homem precisou caçar um animal. De quando tudo não só dependia, mas toda a existência estava em função daquele momento.

Faz tempo. Tanto tempo que não há nome que eu possa dizer para localizar-nos em que quando estaremos a observar. Principalmente por duvidar até mesmo do onde. Faz tempo.

Saíra sem olhar para trás. Não tinha porquê. Tudo agora estava sintetizado, inclusive a verdade, que estava acima de qualquer coisa, e a tudo justificava. De repente tudo dependia do cumprimento deste momento; sua sobrevivência, sua honra, o futuro poder de escolher com quem quer ficar, tudo.

E de repente tudo está sintetizado na carcaça de um animal, pois este homem só poderia voltar para o universo que conhece, com a carcaça nas costas.

Distanciando-se do seu ponto de partida a passos largos, era inevitável pensar que no mínimo era irônico que sua existência de homem, em toda a sua complexidade, dependesse integralmente da existência de uma animal, que tem sua vida resumida a cumprir funções básicas de sobrevivência.

Assim, seu ódio ganhou força. Antes de ver seu “inimigo” passou a odiá-lo. Detestava depender de algo, e esta relação de existência era absurda, como um animal interferia tanto em seu destino?

Deveria caçar. E caçar era o que faria. 

Andar respirar. Respira o corpo. Oxigena a alma e a cabeça. Agora, era medo que aquele homem sentia.

Não tinha mais tanta confiança em si mesmo. Se falhasse. Falharia como homem para aqueles que o esperavam, e falharia como ser existente, pois não haveria mais espaço para si naquele mundo.

Falharia como alguém que vive e respira.

Então ele caça. E na caça todo o seu corpo respira junto, todos os músculos gritam juntos, e em sua transpiração, tudo chora junto. Avista ao longe o animal; bem maior do que imaginava.

Sua via sacra começara.

A aproximação foi longa, a estratégia para encurralar, desesperada. Porém o destino soprava a seu favor, conseguira. Estavam cara a cara.

O animal era ao menos dois metros maior do que o homem. Mas encontrava-se agachado sobre as quatro patas. E agora, como homem, ele só precisava fazer o que tinha que ser feito.

Encarou o animal, e tudo mudou. Os ventos mudaram de direção, falavam outra coisa. Era uma fêmea e ela o encarava de volta. Não era mãe, era nova.

De súbito tudo o que o animal significara caíra por terra. Ela o encarava com os olhos brilhantes e sem armaduras, confessou-se para o homem. Desvelou cada centímetro de seu ser para aquele que a mirava, sem desviar o olhar.

E para desgosto do homem, ele reconhecera tudo o que acontecia e compreendera.

O inesperado acontece, ele se apaixona por ela. E ao reconhecer isto em seu íntimo, as pupilas dela se dilatam e sua pelagem espessa movimenta-se com fulgor.

Nada fazia sentido, era um animal. Um animal irracional, feroz e gigantesco. Pior, um animal que só morto permitia-o existir.

Ele o encara e larga sua arma. Sem desviar ou fechar os olhos, chora eternamente. O animal não move um músculo, pois compreende. Talvez compreendesse muito mais do que o homem.

E após muito tempo, eles se despedem sem se tocar. Um olhar de quem está verdadeiramente apaixonado, toca mais do que o mais sincero afago.

O homem volta para de onde viera, consciente de que agora seu novo norte naquela vida, era que ele simplesmente não existia mais. Pelo não cumprimento de sua tarefa, e mais do que isso, havia encontrado e reconhecido onde estava a outra parte de sua alma, e como só se existe verdadeiramente quando se está completo, teria que esperar reencontrá-la em outra vida, sob outra forma para enfim conversarem. 

Os sentimentos que este homem sofreu no resto de sua vida, por ter tido um vislumbre da razão de sua existência antes do momento de vivê-la, foram os mais aterradores que um homem pode desejar.



Barbara