segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Reconhecendo (I)


Tudo se trata de quando um homem precisou caçar um animal. De quando tudo não só dependia, mas toda a existência estava em função daquele momento.

Faz tempo. Tanto tempo que não há nome que eu possa dizer para localizar-nos em que quando estaremos a observar. Principalmente por duvidar até mesmo do onde. Faz tempo.

Saíra sem olhar para trás. Não tinha porquê. Tudo agora estava sintetizado, inclusive a verdade, que estava acima de qualquer coisa, e a tudo justificava. De repente tudo dependia do cumprimento deste momento; sua sobrevivência, sua honra, o futuro poder de escolher com quem quer ficar, tudo.

E de repente tudo está sintetizado na carcaça de um animal, pois este homem só poderia voltar para o universo que conhece, com a carcaça nas costas.

Distanciando-se do seu ponto de partida a passos largos, era inevitável pensar que no mínimo era irônico que sua existência de homem, em toda a sua complexidade, dependesse integralmente da existência de uma animal, que tem sua vida resumida a cumprir funções básicas de sobrevivência.

Assim, seu ódio ganhou força. Antes de ver seu “inimigo” passou a odiá-lo. Detestava depender de algo, e esta relação de existência era absurda, como um animal interferia tanto em seu destino?

Deveria caçar. E caçar era o que faria. 

Andar respirar. Respira o corpo. Oxigena a alma e a cabeça. Agora, era medo que aquele homem sentia.

Não tinha mais tanta confiança em si mesmo. Se falhasse. Falharia como homem para aqueles que o esperavam, e falharia como ser existente, pois não haveria mais espaço para si naquele mundo.

Falharia como alguém que vive e respira.

Então ele caça. E na caça todo o seu corpo respira junto, todos os músculos gritam juntos, e em sua transpiração, tudo chora junto. Avista ao longe o animal; bem maior do que imaginava.

Sua via sacra começara.

A aproximação foi longa, a estratégia para encurralar, desesperada. Porém o destino soprava a seu favor, conseguira. Estavam cara a cara.

O animal era ao menos dois metros maior do que o homem. Mas encontrava-se agachado sobre as quatro patas. E agora, como homem, ele só precisava fazer o que tinha que ser feito.

Encarou o animal, e tudo mudou. Os ventos mudaram de direção, falavam outra coisa. Era uma fêmea e ela o encarava de volta. Não era mãe, era nova.

De súbito tudo o que o animal significara caíra por terra. Ela o encarava com os olhos brilhantes e sem armaduras, confessou-se para o homem. Desvelou cada centímetro de seu ser para aquele que a mirava, sem desviar o olhar.

E para desgosto do homem, ele reconhecera tudo o que acontecia e compreendera.

O inesperado acontece, ele se apaixona por ela. E ao reconhecer isto em seu íntimo, as pupilas dela se dilatam e sua pelagem espessa movimenta-se com fulgor.

Nada fazia sentido, era um animal. Um animal irracional, feroz e gigantesco. Pior, um animal que só morto permitia-o existir.

Ele o encara e larga sua arma. Sem desviar ou fechar os olhos, chora eternamente. O animal não move um músculo, pois compreende. Talvez compreendesse muito mais do que o homem.

E após muito tempo, eles se despedem sem se tocar. Um olhar de quem está verdadeiramente apaixonado, toca mais do que o mais sincero afago.

O homem volta para de onde viera, consciente de que agora seu novo norte naquela vida, era que ele simplesmente não existia mais. Pelo não cumprimento de sua tarefa, e mais do que isso, havia encontrado e reconhecido onde estava a outra parte de sua alma, e como só se existe verdadeiramente quando se está completo, teria que esperar reencontrá-la em outra vida, sob outra forma para enfim conversarem. 

Os sentimentos que este homem sofreu no resto de sua vida, por ter tido um vislumbre da razão de sua existência antes do momento de vivê-la, foram os mais aterradores que um homem pode desejar.



Barbara

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