domingo, 28 de outubro de 2012

Corrente Leste Australiana

Eu imagino o mundo em que vivemos como se ele estivesse sempre submerso. Para então haver as correntes...

Como correntes marítimas, que passariam por nós o tempo inteiro.

As vezes somos levados, as vezes não conseguimos sair. As vezes tornam-se tão produtivas que continuamos. Mas se não permanecermos com o corpo posicionado da forma correta, ficaremos pesados e seremos deixados para trás; a corrente vai se desfazer de nós de alguma forma, e seremos impulsionados para fora.

Há momentos em que estas correntes têm cruzamentos: você está em uma leve corrente de água doce e de temperatura agradável, mas logo a frente cruzará uma corrente forte de água gelada. Se você não se mantiver firmemente conectado com a natureza da corrente em que está, será lançado para a outra, para não dizer sugado.
De vez em quando se faz necessário trocar de corrente por excesso de permanência. Ficar muito tempo em água salgada causa desidratação. O que foi bom em um momento, agora pode não ser mais, e é necessário ter coragem para saltar, mesmo estando seu corpo tão adaptado àquela frequência. Contudo, quando saltar, não se deve cair à deriva, mas se manter numa frequência, que mesmo que desconhecida, acredita-se ser a melhor. Já que cair em algo turbulento nos leva ou ao risco de nos afogar, ou de nos traumatizarmos pelo salto precipitado.
Estar em uma má corrente pode ser uma armadilha. Não são todas as correntes que nos levam a precipícios, que são revoltosas, cheias de pedras ou geladas. As vezes elas vêm de um lugar chamado Calmaria, onde te faz parecer que tudo está bem, que a profundidade não é nem muito grande e nem muito rasa. Mas quando se menos espera, torna-se um caminho sem volta com um abismo se aproximando. Para sair desta situação, exige mais força do que em qualquer outra, sendo que mesmo assim, na maioria das vezes permanece como impossível.

As correntes do nosso mundo são transparentes; estando em uma, enxergamos todas as outras e quem está nelas. Na maioria das vezes achamos que não enxergamos por estarmos muito focados no nosso próprio caminho. Mas ao identificarmos uma pessoa amada em uma corrente sinuosa e preocupante, fazemos de tudo para trazê-la para nossa.
O problema é que a outra corrente pode ser mais forte, e quanto mais aquela pessoa acreditar na sua própria corrente, mais força ela ganha. E então se não estamos bem firmados na nossa própria corrente, somos sugados para a outra.

Oferece-te a tua mão para o outro, mas será ele que precisará se inclinar para fora, e não você.
A chave agora é saber transitar conscientemente em todas estas correntes. Como ter uma mapa mental do oceano do mundo. Do olho do mundo.
(...)



Barbara

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Brecha


Refletir sobre o tempo de espera
o tempo entre as coisas
lacuna preenchida pelo tempo,

que não parece ter sido originado de uma escolha
mas imposto pelo momento.

Bonito admitir o não amadurecimento
saber o próximo passo
e não se proclamar,

o momento implora para ser prolongado
deve-se esperar.

E encarar que se chegou, é para ficar
se foi apresentado
é esta a hora e o lugar,

mas não serei eu, que farei do tempo
se desafinar.


Barbara

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Memórias I

Já que nunca falo diretamente de mim...


Passei minha vida indo e quase morando na praia.
Vivendo literalmente dez dias de cada mês, e os três meses inteiros de férias.
Tenho um milhão de coisas para contar, mas a primeira só podia ser essa: a minha primeira descoberta prazerosa - provavelmente aos três anos de idade.


Começa pelo fato de:
Eu tenho arrepio de areia.
Não de qualquer areia, só da areia dura. Se for a areia molhada do mar ou a fofa mais quente, não há problema. Mas se for aquela em que as pessoas ficam raspando os dedos, escrevendo com palitos ou onde montam seu acampamento, ai é outra história.
Morro de arrepio.
Na hora de estender as cadeiras, fincar o guarda sol, arrastar os chinelos... Eu sempre tomo uma distancia grande o suficiente para não ouvir nenhum chiado, nenhum raspão na areia, nenhum nada. Se não torço os lábios, tenho arrepios e tremeliques.
Areia me dá arrepio. Soma-se com o fato de que na praia faz muito calor, a gente sua, gruda, a areia gruda de todas as formas, a água do mar com sal gruda, o sorvete que cai gruda, o chinelo que você vai calçar para ir embora gruda e acumula areia empelotada dentro, tudo, tudo, tudo, contribui para estarmos num nível de grude altíssimo.
Tudo isto sempre compôs a minha situação na hora de ir embora.
O que não era qualquer situação, mas uma caminhada de 400m até a minha casa debaixo de um calor infernal, carregando ou duas cadeiras, ou sacolas de água, ou toalhas, ou bolas, ou raquetes ou qualquer coisa do tipo.
O caminho inteiro, desde o primeiro momento em que eu pisava fora da areia, só uma coisa pairava em minha mente: o momento que eu chegasse em casa e me limpasse.
Tudo era completamente irritante na volta.
Socorro, alguém me tire de mim mesma.
Quantas vezes sonhei em construir uma esteira gigante que percorresse aqueles 400m. Quantas vezes sonhei em ganhar uma promoção onde surgiriam pessoas com uma liteira e me carregariam de volta pra casa. Quantas vezes sonhei em voar. Quantas vezes sonhei que a rua se transformasse numa enorme piscina e eu fosse nadando até a minha calçada...
Mas quando eu chegava... Água doce e gelada. Um banho.
Não havia melhor dádiva do que esta.
O banho que lavava a minha alma.
E em seguida, estando completamente fresca, não queria tocar em mais nada que pudesse acrescentar um grão de areia no meu corpo. Só ficaria ali, na rede, no vento,
tranqüila...
Poderia-se ter tirado um bilhão de fotos minhas nesse momento; com um, dois, três, dez, quinze, dezessete anos de idade. E em todas meu semblante refletiria a paz suprema em que me encontrava.
Livre da prisão que o calor e a sujeira me sujeitavam.
Está ai, meu primeiro momento de prazer verdadeiro.
Não posso acabar de relatar essa memória, porque ela pula para outra e para outra e para outra... Apenas pessoalmente, com uma boa xícara de chá quente, pão e descalça é dado as chances de continuar com os relatos...
Ainda bem que os blogs ainda são antiquados e não proporcionam isto.
 
Barbara

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Milharal

De repente as perguntas precisam ser refeitas.
Não porque as respostas serão diferentes, mas para serem (re)lembradas.



Rebeldia
Liberta e encarcera
deixa regurgitar
fica o que constrói                                              “Papagaio velho não aprende a falar
sai o que incomoda                                                                      aprendeu errado, é difícil endireitar”
O prazer é instantâneo
o arrependimento é protelado
Alguém disse que
só seria perdoado
no momento conturbado.



O trabalho sujo,
                    suja a alma.






Fórmula para nonsense:
Se é vício, diga adeus.
Ao acostumar, modifique.
Se há rotina, troque tudo.
Linearidade e conjuntos são ignorados.
Coloca-se cores complementares.
Arranha-se de novo o que arrepia.
Aperta-se onde está dolorido.
Personifica-se as coisas.
Junta-se o que por abismos se separa.
Tudo há de ser sentimentalizado.
Inverte-se a semiótica.
As densidades e pesos são consequências.
O artigos determinados serão indeterminados.
Funções são (re)criadas.



A maior surpresa foi quando foi vencido
no jogo da memória.



Barbara