sábado, 29 de setembro de 2012

Anotações

Estava revirando tudo e acabei por encontrar estas anotações. A identidade do seu autor – ou confessor – continuará em anonimato. Mas, tomei a liberdade de acrescentar as partes em itálico, para quem sabe uma maior compreensão:




“Eu não estava tratando com descaso aquela nova experiência, mas não podia imaginar o que estaria por vir. Não contava com uma experiência do tipo”.

Já havia coletado suas próprias experiências há um tempo, ganhado um bom conhecimento sobre o assunto – teórico e prático. Mas mesmo assim, mesmo se colocando completamente disponível para tudo o que viria, não podia imaginar.

Tudo era barro e terra. Havia poucas árvores e algumas pedras, mas o resto era apenas terra.

“Devia ser por isso, nada de concreto em quilômetros e quilômetros de distancia. Não há como evitar uma conexão daquele tamanho em um lugar com ausência de concreto, parafusos, plásticos... Só a natureza, nua e crua. Eu deveria ter previsto que seria imprevisível e...”.

Tudo começou muito antes do rito. Começou quando pisou naquela terra. Viver ali era estar sempre em contato direto com o astral. Tudo o que já havia experienciado por algumas horas, um dia ou outro, ali era obrigado a viver. A viver naquele estado.

“Insuportável. Era isso o que era. Não estava pronto para ficar tanto tempo naquela constante vibração. Mas ao olhar as pessoas que ali viviam e estavam em volta de mim, não conseguia entender o porquê para mim era tão difícil. Ali não eram todos sacerdotes, xamãs ou qualquer coisa, mas pessoas comuns que apenas no momento do rito praticavam aquela aproximação. Será que elas não eram tão sensíveis para notar que aquilo estava presente o tempo inteiro?”.

Na verdade, era visível para todos a sua dificuldade de adaptação, mas ele haveria de entender. Em breve receberia as instruções pelo seu próprio canal. Com o tempo aprenderia a viver em constante conexão, a vibrar em uma nova freqüência.

“A revolta crescia dentro de mim como uma onda que vai se alimentando e crescendo no mar. Por que não havia compaixão daqueles a minha volta? Eu só queria uma estadia normal. Claro que era capaz de fazer o rito, mas eu só queria poder almoçar, caminhar pelas ruas de barro com minha consciência limpa, eu queria o meu controle enquanto sou eu!”.

Ali onde nada do que não importava simplesmente não existia, e apenas o trivial se fazia presente, algumas condutas eram impossíveis. A ética consigo mesmo era o único caminho. Seu ego seria dissolvido pela pressão atmosférica, a luz só o permitiria ver o que era para ser visto, os sinos só o deixariam ouvir o que era para ser ouvido, e o estar apenas o permitira existir enquanto fosse útil para o universo.

Meses depois.


“Me acalma, apazigua-me a alma. Todo o meu corpo permanece como numa estufa; a temperatura fica morna, todo raciocínio é denso, longínquo, esticado... Como se me abafassem. Como se eu estivesse dez centímetros acima do meu corpo, espreguiçando-me de forma infinita, sendo apenas uma aura sobre minha pele. E tudo o que eu faço vem de outro lugar, mais profundo e verdadeiro do que antes”.

Tudo havia apenas começado.



Barbara




sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Confissão

O difícil foi transcrevê-lo. 

Não consigo ir mais rápido
fui colocado numa estufa
Justo hoje
precisava de um movimento rápido
e certeiro

Ai, endurecido momento
não faz isso comigo
Agora que tomei coragem
sou só suspiro

Chega dessa turbulência interna
e calmaria externa
Que tipo de prisão fui submetido?
Minha inércia é um movimento
de constante desespero

[ultima estrofe removida]


Barbara


        
ps: peço desculpas, mas tenho escrito muito e apagado mais.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

A Dança dos Continentes

"Os boatos são verdadeiros.
Queremos anunciar a todos que; sim, estamos nos movendo.

Este processo, ainda sem causa definida, se iniciou há 60 dias e foi nomeado como “A Dança dos Continentes”. Os continentes estão trocando de lugar.
A suspeita se iniciou há 30 dias quando foi constatado que países tropicais como o Brasil estavam na ausência de chuva; quando toda a diversidade de climas da Oceania começou a se homogeneizar; e quando o México começou a sentir a presença de geadas e constatar o aparecimento de ornitorrincos.

A boa notícia na verdade são duas; primeiro, os polos não estão se mexendo – não sabemos no que isto poderia acarretar, mas provavelmente boa coisa não seria; segundo, o movimento dos continentes parece ser gerado por uma força motriz que os impede de se chocar.
Contudo a má notícia para uns, é boa para outros; que além de qualquer transporte intercontinental ter sido proibido, também foi notado que a “Dança” segue uma lógica política financeira.

A América do Norte fará um percurso para ocupar o lugar da Europa no centro do mundo, levando consigo o Alasca para ocupar o lugar da Islândia, - não se preocupem, o Alasca já foi alertado sobre um possível aumento na sua taxa de suicídios. Ao mesmo tempo em que os EUA já iniciaram um processo de construção de “novas falsas ruínas” para todos poderem manter sua programação de férias.
A Europa num percurso abaixo dos EUA se dirige para ocupar o lugar da América Central – o que demonstra o seu rebaixamento óbvio. Ao que parece os geólogos do Reino Unido estão num processo frenético para se desvincular da Europa enquanto é tempo.

A América Central dá uma volta por trás do globo para ocupar o lugar da Oceania, que por sua vez é o único continente do hemisfério sul que conseguiu uma elevação para o hemisfério norte, ocupando o lugar da Ásia. Posicionando-se estrategicamente ao lado da América do Norte, para manter a América Central, logo abaixo, continuamente escravizada, quer dizer, levemente explorada. O que também acaba sendo uma posição estratégica em relação à África, que ocupa o lugar do Oriente Médio. Se estabelecendo numa zona pronta para ser reexplorada e redividida pelo EUA e pela Austrália.
A temperatura tende a esquentar no centro da África, que agora está bem em cima do Equador. E os países com taxa de morte alta no norte, não devem se preocupar, a taxa com certeza se manterá, inclusive pelo frio e ausência das nações acima.

Enquanto isto a Ásia dá a volta por trás e ocupa o velho posto da América do Norte; Parabéns Ásia! Isto significa que diferente dos EUA que precisavam atravessar o mundo para explorar pessoas no território leste, países como a China já levam consigo suas próprias zonas de exploração!
O Oriente Médio é o único que tem uma trajetória turbulenta ao passar debaixo da antiga Europa e por cima da antiga África. Mesmo não sendo um continente, se movimenta sozinho pelo fato de que possivelmente os outros continentes já estejam cheios dele, possuindo um rebaixamento geofísico. E assim ocupam o nosso antigo lugar, da América do Sul, recebendo inclusive a honraria do nosso titulo de Selvagens.

E agora nós, que ocupamos o lugar do antigo continente africano! Acreditamos que isto intensificará a ideia internacional de que todos os nossos países são iguais e de que somos “exóticos”. Claro que o Brasil foi premiado com a temperatura e pluviosidade do deserto do Saara.

 Boa noite e boa sorte.”

 

Barbara

domingo, 16 de setembro de 2012

Cadenciando

Atento,

a trajetória determinada evita;
vagar pelo espaço,
entrar em qualquer centro de gravidade,
orbitar em torno
de um dispensável princípio.

Ou pior,
Desatento,
levado para uma dezena de luas,
a mudanças constantes
à deriva da maré de outros.

A casualidade momentânea
leva ao vislumbre
de coisas não desejadas

*


Não tem outro jeito?

Não, pra curar só assim.
Mas desse jeito é terrível! Não é possível, nem tudo precisa pela dor.
Tudo? O que mais você tem feito pela dor?
Eu? (pausa)                   Não sei! Eu não vou ficar lembrando dessas coisas...
(Silêncio)                      Bom, e então?
Você acha que vai doer muito?
Vai.
E depois?
Só depende de você.
Então me explica o que você vai fazer primeiro.
Vou esquentar a faca e enfiá-la na ferida.
Vai me queimar?
Não.
E depois?
Vou puxando o espinho pra fora.
Ta. Então vai de uma vez.
Claro. Se não o espinho quebra e precisamos recomeçar.
Não quero olhar.
Tudo bem, mas você não pode se mexer.
Você vai ter que me segurar.
Não dá.
Tudo bem.

O facão tinha um pouco mais de vinte centímetros além do cabo de madeira. A ferida tinha cerca de oito centímetros de diâmetro e era funda, cor de vinho.

No segundo em que o facão tocou a ferida e a penetrou, os olhos apertados se arregalaram em direção ao teto e a boca escancarou num grito rouco.

O calor se espalhava pelo corpo do homem deitado, a dor já o possuía de uma forma que não se lembrava mais em qual parte do corpo estava a ferida. Ele era a ferida. Sua mente latejava naquilo que lhe parecia uma eternidade.

Ao mesmo tempo um novo sentimento tomava conta do seu corpo e mente. Era forte. Seria capaz de fazer qualquer coisa. Provavelmente assim que acabassem aquilo que estavam fazendo, ele dobraria de tamanho, se tornaria um homem muito mais forte do que era.

Seu pé caminharia firme e descalço pela terra, nada o desequilibraria. Os músculos de suas pernas seriam para sempre rígidos, seus reflexos mais rápidos. A pele brilharia a cada feixe de luz, e os olhos de uma intensidade insuportável.

Ele havia sido a ferida. Ele sabia o que era ser a ferida e aceitar isto. Agora era mais.



“Não me mate não.
Não me pegue, não me corte com a ponta do seu facão.”



Barbara



quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Costureira

Diziam que Bia não dava ponto sem nó.
Disso eu não sei, só sei que um dia ouvi Bia dizendo para o moço.


Bordei você a eu como se fosse um achado. Um pedacinho de mau caminho. E costurei. Com linha grossa, da cor da minha vontade! Costurei fingindo te ter por inteiro, fingindo não ter mais nada por esse lugar todo nas mão de outro.

Pronto. – dizia ela.– Tá aqui. Firme. Posso puxa, lasca, até rasga. Mas vou sabe que era  um pedaço teu que tava aqui.

Não bordei numa colcha feito retalho. Nem numa rede pra gasta. Eu bordei foi é em mim, isso sim. Pele com pano. Como se fosse feito da mesma coisa, misturado. E com o mesmo gosto!

Ah, homem, só existe uma coisa que junta as coisa assim. – os olhos dela aumentaram – Só uma coisa pode junta duas assim, é Amor homem! Isso sim. Com ele você junta o que quiser, até a minha pele com teu pedaço. Tão misturado que é impossível separa os dois. Ia precisa de tanto tempo que eu fecho o meus olho antes de vê.

Sabe onde eu te costurei? Não foi no peito coisa nenhuma. Foi é no estômago. Não confio a ninguém mais o controle da minha ansiedade.



Barbara