quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Sei

Cá estou,
chorando por dentro.
Esperando ser descoberta,
para admitir minha infidelidade.

Rezando e orando.
Sabendo que qualquer hipótese
de perdão,
é hipócrita
e suja.


Eu causo intempéries em mim mesma.

Se partirmos do pressuposto que intempéries são fatores externos agindo sobre um local, um objeto, causando modificações, alterações.
Eu faço isto em mim mesma.
Eu me descasco, me lixo, me lasco, me decanto, me lixivio, me sublimo, me peneiro, me causo erosão e me fervo.
Talvez faça tudo isso com a esperança de polir-me e obter algo bonito como produto. Como se por dentro de toda essa casca houvesse algo liso que brilha. Ou talvez não sobre nada.
Talvez buscando toda a perfeição de uma forma, eu me desgaste e me acabe. Ficando só o vazio de eu ter estado ali.

Obra: Eu estive ali
Artista: Barbara Ganizev Jimenez
Materiais: Plástico, areia, pedra e foto.



Barbara Jimenez

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Contra[gosto]pêlo de mim mesma

Perdoem-me, faz muito tempo que não posto, eu sei.
Mas o tempo não me deixa, muito menos a satisfação.
Mesmo este, faço a contra[gosto]pêlo de mim mesma.




Maturidade
A gente vê a idade chegando quando as pessoas vão morrendo.
A gente vê a responsabilidade chegando quando a idade chega.
A gente vê o medo chegando quando a responsabilidade chega.
A gente vê o receio chegando quando o medo chega.
A gente vê o ego brotando quando o receio chega.
A gente vê a dor chegando quando o ego chega.

[Eu estou cheia dessas, né?]


A prova de que a vida é cíclica, é que o começo sempre está perto do fim. E o fim sempre perto do começo.
Crianças são desprovidas de ego, assim como velhos próximos da morte.
Quantas vezes não notamos senhores agindo como crianças? Tenho certeza de que se a velhice viesse antes da infância, veríamos crianças agindo como velhos.
Erasmo de Roterdã dizia que estamos propensos a loucura enquanto crianças, e quando velhos.  É isso (...)

APAGUEI.

Não gostei.




Não disse e não quis dizer nada. Estou cansada.


Barbara

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Porque é assim.

Tem uma pessoa que nunca vi na vida, e agora vejo todo dia.

Tem uma pessoa que nunca vi na vida, e agora vejo todo dia.

Tem uma pessoa que nunca vi, e agora vejo.
Tem uma pessoa todo dia.
Tem vida, agora vejo.
Tem pessoa que nunca vi todo dia.
Tem vida todo dia.
Tem uma pessoa, e agora. (?)
Tem uma pessoa que nunca, e agora todo dia.
Tem uma pessoa que nunca vi na vida, e agora vejo todo dia.

 *

 E agora como vai ser?
A gente só imagina, como seria se fosse.
Deixa-se de lado!
Não era tão grande...
Não, não está tudo bem.
Ninguém tem o direito.
Dói.



Barbara

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Quebra de Padrões

Estava quase pegando no sono quando uma leve poeira açucarada caiu sobre ela. Lembrou o que estava fazendo e logo constatou; sem espirros.

Havia dito que não espirraria. Não sabia porquê ele continuava insistindo
- Já chega, não é mesmo? – Disse ela batendo na blusa para tirar o pó de alcaçuz e iogurte que começava a grudar na lã.
- Não, eu tenho certeza que você é alérgica a alguma coisa. Deve ser algo simples... – Ele continuava andando de um lado para o outro.
- Não, eu já disse. Não tenho nenhuma dessas coisas com “ite”! Aliás, não entendo o que você está pensando... – Ela pegou a prancheta da grama. – Couro vencido, leite qualhado, bolas de gude, bolas de meia, que por sinal eu preferia que não tivessem sido usadas. Doces, cabelo ruivo, que você até agora não me disse de quem eram. Fitas cassetes, mu... mu-gaal...?
- Museu! Minha letra não está tão ruim assim vai. – Ele estava com as mãos na cintura, inspecionando a grama, como se algo tivesse passado despercebido. – É, museus. O que já elimina pintura a óleo, madeira antiga, conservantes, cera para polir e guardas exagerados.
- Por que eu seria alérgica a guardas exagerados?
- Por que você não seria, deveria ser a questão. Todo mundo é.
Ela só queria entender o porquê de tudo aquilo. Que coisa! Nunca ninguém ligara para esse fato. Muito pelo contrário, ela lembrava-se muito bem da mãe e da tia Ivone exclamando graças a deus a saúde dessa menina ser de ferro. Já bastava a delas serem mais instáveis que do que leite fervendo, virgem Maria... Oras, havia entendido que aquilo era bom!
Vai ver ele queria que ela desse trabalho, ou pelo menos não colaborasse... É, podia ser isso mesmo. Lá vem ele com uma folha seca, pensou ela, vou tentar.
- Cheire essa! Peguei do alto daquela árvore, o que já elimina todas as outras folhas.
Ela tomou a folha da mão dele, olhou de longe como quem parece desconfiado e a atirou para longe.
- Não! – Ele correu para tentar apanhá-la. Acabou caindo alguns metros abaixo, mas salvou a folha sem deixa-la encostar no chão. – Por que você fez isso? Era para você cheirá-la!
- Mas eu não quero.
- Mas, mas, mas eu achei... – Ele baixou os olhos, e as mãos caíram sobre a grama.
- Pois achou errado, eu não quero. – E virou dramaticamente, dando tempo dele ver apenas seu cabelo, e não a sua expressão de dúvida.
- Ah, ta bom então. – E saiu cabisbaixo.
Ela não entendeu. Espiou por cima do ombro, e o viu sentando perto do lado. Oras, achei que era o que ele queria; se fazer de difícil, dar trabalho... Mas ele nem insistira!
O que será que aconteceu? Ele se perguntava. Já estávamos fazendo isso desde de manhã, não sabia que ela não estava gostando. Só queria ajudar... Achava que as pessoas gostavam quando demonstrávamos interesses por suas fraquezas. Mas ela não tinha nada! Como ia fazer? Que confuso, não sabia onde havia errado.
Será que ela ficou com nojo da roupa encardida? Mas como ela esperava que ele apanhasse aquela folha, sem se sujar?
Ela foi até ele, e sem que percebesse, abaixou até encostar o nariz na folha que ele ainda segurava, como houvesse esquecido das mãos.
- Também não sou alérgica a essa aqui. – E o olhou timidamente.
Ele a olhou espantado e abriu um sorriso que fez desaparecer suas orelhas.
- Muito bem! Tenho o ultimo teste! Vamos!
Enquanto corriam, ela pensava se não havia entendido mal sua mãe e a tia Ivone. Porque se ter saúde era se sentir bem, ela não estava tão bem assim; havia algo que toda vez que pensava dava um negocio no estômago, faltava o ar, e a fazia sentir uma coisa... Ainda mais quando ele segurava assim sua mão.
- Chegamos! – Encontravam-se em frente a uma caixa de correio esverdeada. – Cheire essa.
Ele abaixou perto da caixa e esperou ela abaixar também. Depois de mais uma inspirada, nada novamente aconteceu. O olhar dele de desapontamento veio e a cabeça pendeu sobre o pescoço.
Ela decidiu acabar de vez com aquela dúvida!
Inclinou a cabeça bem para baixo a fim de alcançar os lábios do amigo. E alcançou-lhes com sucesso, apertou bem forte até os olhos dele se abrirem e arregalarem. Depois disso, ela espirrou.

- Achamos. Você é alérgica a mim. – Disse ele fingindo felicidade.
- Pode ser... – Mas como quem não se importa, um segundo beijo não tão apertado veio, interrompido por outro espirro claro, mas eles não se importavam, pois veio o quarto, o quinto...


Barbara