domingo, 24 de junho de 2012

Truncado

A gente nunca espera.
Nem tem como.
Estávamos em muitos numa sala pequena, com um objetivo que parecia ser rápido, mas não era; beber água.
Nos dividimos como numa produção em série, copo, mão, copo, mão, torneira, água, água, transborda, pano, boca, pano, boca, seca, mão, copo, mão, copo, boca, opa, mais um. ...Sentia-me como uma peça daquela engrenagem, não havia um outro porquê da minha existência. Meu objetivo era saciar a sede de todos, quando isto estivesse realizado, algo brotaria como que divinamente no meio da minha existência, e nasceria um novo objetivo para a minha vida.
Mas, no meio de tudo isso, algo acontece.
Posso tentar?
Ouço.
Pode, claro.
Uma melodia truncada começa a sair do piano. Era claro que quem tocava, estava longe de dominar qualquer técnica ou leveza que um piano deve invocar. Mas aquela melodia que saía dos dedos pesados e indecisos, carregava um ar de coragem. Havia tomado coragem para experimentar ali, na frente de todos. Sentia-se tão bem tocando sozinho que não importava que ainda não soubesse, só queria tocar um pouco. A melodia pesada me emocionara.
Ali, no chão, sentei. Quase como se fosse cúmplice daquele que tocava, como se o conhecesse há anos e compartilhasse da sua jornada.
Não havia visto nem seu rosto ainda.
Adormeci, entre as pessoas que não paravam de falar, sem ligar para a melodia pausada que acontecia.
Não passava ainda de uma criança, obrigada pela vida a se portar como adulto. As roupas eram de menino, mas a expressão amarrada era de homem.
Não havia gesto algum para eu fazer, que o emocionaria a ponto de entender minha comoção. Não havia palavra alguma que não seria recebida com indiferença por ele. Muito menos, sorrisos seriam capazes de ser retribuídos.
Então optei por me deixar ser pega, em flagrante. Ali, truncada no tempo por uma melodia truncada, senti seu olhar me observar, como quem quer entender porquê alguém como eu, capaz de identificar todos os defeitos daquela melodia, estaria ali, contemplando-a.
Fingi que não o percebi. Respirei fundo e levantei. Voltei a fazer tudo de forma maquinal, mas mais leve, mais emocionada.
Ele se amoleceu. Amoleceu por ter visto alguém se amolecer com toda a sua dureza.


Mas por que falar disso agora?



Barbara

quarta-feira, 20 de junho de 2012

C'est vrai

Se a corda se afrouxa de um lado, é tolice tencioná-la do outro.
Não há censura nisso, não há porque se ter vergonha.




Quando não estamos bem com nós mesmo, tudo o que sai dos lábios alheios é sem cor e monótono.
A não ser que o interesse no outro derive de paixão. Daí, tudo o que aquele disser, carregará uma enorme importância. E as maiores ilusões e mentiras ali ditas, terão gosto de verdade.




    Quando choro
meu coração vira
    uma uva passa
Mas quando
    é uva
Só chorando hidrata.




Barbara

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Roda


Escrevi e rabisquei milhares de vezes. Com medo do poder do que é pensado, do que é escrito ou falado. Decidi não mexer com aquilo que agora é sagrado (absurdo), e decidi falar sobre outra coisa...



O mundo escorrendo

aqueles que não se deixam mudar

hão de escoar
para fora deste mundo

pela beira

Já faz tempo que estamos assim

há de mudar
a natureza impõe

há de limpar
quem vai ficar

Vem commala vem

na roda completa

há de girar

Uma voz entoar

a permanência cair
pelo meio

Vem commala vem

assim não irá ficar

há de transmutar

Há música
                      no silêncio

Há voz
                     no nada

                     onde não há mais nada


E da terra queimada
                       o verde (re)aparece.




Acabei falando o que ia falar.


Barbara

domingo, 3 de junho de 2012

Dilema








                                                      Tão exposta, tão protegida
                                                                                  pela mesma companhia.














Barbara

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Rien du tout


Há seis filmes que são meus.

Falam de mim.

Descrevem-me, delatam-me, gritam-me sem pudores.

São seis filmes que a maioria já viu, e que para outros recuso mostrar. Como mostrar se estou descrita ali tão perfeitamente?

Que vergonha! Todos os meus desejos, medos, amores, defeitos em seis filmes e eu digo quais eles são?! De forma alguma.

Não me canso. Que coisa mais incrível, nos sentirmos tão representados com algo... Não sei mais o que estou dizendo. Parei.

Seis filmes... As vezes por vaidade desejo que este número não aumente, para que continuem únicos. Mas no fim, acho que não mudaria nada, só acrescentaria a beleza e a sinceridade deles comigo.


De meses em meses venho aqui e faço um desabafo infantil bem bloguista, parei.

Quais são?  Cartografe-me.


Barbara