segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Perspectiva


- Cara! – Sorriso largo – To animado!
O outro apenas lança um olhar incrédulo.
- To animado! Dá uma olhada aqui, olha... – Apontando para o próprio braço arrepiado – Olha olha subindo tudo!
- Qual é o seu problema?
- Uou! – Lança as duas mãos para o alto – Não consigo me segurar!
- Como você pode estar animado? Você está chorando?
- Acho que sim, cara... Como não estar? Tudo está vindo de uma vez! – Corre alguns metros pra frente, flexiona os joelhos e estreita a vista com as mãos – Acho que já consigo avistar!
- Não! – Grita e corre até o outro, e depois sussurra – Tem certeza?
- Hum... Não. Nadinha, necas. Mas não tem problema, com certeza está a caminho.
- Problema... Tem problema sim! Como você pode estar animado com o tu-tu... tu-turbilhão!?
- O que você acha que vai vir primeiro? – Seus olhos disparavam faíscas – O vento? Aposto que será o vento! Vai começar como um brisa rasteira, bem baixinho... Aqui, perto do chão. E de repente, subirá com  tornados!
- Não! Não será o vento!
- Não? Tem razão. Raios, desta vez aposto em raios. Lindos e eternos no céu! Mal  posso esperar!
- Não! Sem raios!
- Sem raios? Não seja tolo, em algum momento haverá raios. Mas tudo bem, pode não ser no começo.
- Não terá nada! Nem no começo, nem no meio, nem no fim. – Seus olhos estavam transtornados.
- Do que você está falando? O turbilhão! Já sabemos que chegará faz tempo, e...
- Não sei do que você está falando.
- Como não sabe? – Agora era ele quem estava incrédulo – Falávamos disto agora há pouco, e... Espera. Já sei.
Parou de falar e empurrou o amigo, que num pequeno desequilíbrio voltou depois ao seu lugar lançando-lhe um olhar de incompreensão.
Tomou distancia mais um vez, e agora correndo, empurrou-o mais forte. E depois de novo, e de novo, e de novo, e de novo. Até derrubá-lo e fazer com que saísse a persegui-lo em círculos.
- Pára! Respira! Está sentindo?
- O que? – Arfando.
- Seus pés queimarem? Está sentindo que o chão aqueceu?
- Sim... -  Começando a ficar incomodado com aquilo...
- Foi assim. Foi isto que sentimos da ultima vez, lembra? Primeiro os animais sentiram e se foram, demoramos meses para entender. Depois as crianças começaram com os desenhos, e colocamos a culpa nas mulheres. Mas desta vez sabemos o que é, ah sim, sabemos sim. Será como da ultima vez, o chão já está se aquecendo, a brisa mudará de direção, o céu ficará improvavelmente com aquelas cores, e as rachaduras e enchentes chegarão, e só nos restará...
- Correr... – Tinha os olhos perdidos no horizonte.
- É, correr. – Seu sorriso largo havia voltado – Correr mais uma vez, mal posso esperar. E você se lembra porquê, não se lembra? Como era a nossa vida antes do turbilhão?
- Medíocre.
- Sim, sim medíocre. E quando começamos a correr, no que nos tornamos?
- Titãs. Gigantes e nervosos.
- É isso ai. Vivos como nunca antes estivermos. Pois no meio do turbilhão não há vez, cada passo é decisivo. Só sobramos nós dois da ultima vez, não é?
- Nossas famílias morreram...
- É... Bom, mas é porque só nós fomos fortes. O turbilhão é soberano, ele escolhe quem vai e quem fica.
- Vou morrer...
- Não vai, cara. Vamos passar... Está sentindo?
- Sim, o calor.
- O calor... E agora as pedras saltarem.

O turbilhão viria mais uma vez, só que quando viesse, ele lembraria do rosto da família e tudo não seria mais tão simples.


Barbara

domingo, 17 de novembro de 2013

Quandos

Num quando de antes


Havia um tempo em que tudo respirava. Estava mais do que vivo; tudo vivia.
Era um tempo em que respirar não atestava viver. Mas uma constatação de existir.
Um homem de hoje se, por uma golfada de ar do destino, fosse catapultado para aquele quando, provavelmente enlouqueceria. E o primeiro – dos infinitos – motivo seria se deparar com outro silêncio.
Onde tudo respira não há brechas, a todo instante se ouve inspirações e expirações, o silêncio é outro. Não é vazio, não é branco. Mas pulsante e verde.
A única maneira de sobreviver a ele é estar tão sincronizado, que sua respiração acontece no mesmo ritmo.


No quando de hoje

Os espinhos não estão no chão
mas em meu pé
Eles não estão ali desde sempre
mas aparecem
Mesmo que nascidos de mim
são um corpo estranho
Um. A. Um.
fincam-me o calcanhar.

Viver hoje implica ser um corpo estranho para o próprio corpo.
Ser contemporâneo é estar eternamente em conflito consigo.



*

Você me vê
E de tão encantado
perde a fala.
E tua alma sobe
e te engasga.
Você quer me dizer
e desesperado estala a boca,
debate a língua
ritmiza o corpo
procurando a fala.
E deste som
nasce sua palavra.
Primeira que conta.
Então diz
que me ama.
Entro em ebulição
perco a fala.



Barbara