quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Feroz



enfrento-te, cara a cara
porque te amo.

meus olhos se equiparam aos seus
pupila com pupila
porque a ti descubro
a mim, descoberta.

de frente, desmonto-me
ao te gritar e rugir
arreganho meus dentes por amor.

rujo para abocanhar-te
e proteger, o que a mim pertence.

e assim você me devolve,
com a mesma ferocidade
natural, fluída
ao seu arreganhar de dentes
sinto cada músculo meu gritar.

olhos que penetram
transcendo, sem ser
suspensos em expansão
não sou você, você não é eu

enfrento-te por amor
arranco tua pele
para de ti renascer

encara-me de frente
assim vou saber que me amas.


Barbara

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Acerca de tudo

[Como ser parte de um grupo tão bem definido e ainda inovar?]


Ali onde tudo tinha outro significado.
No meio da cantoria, quem passava não assistia.
O coro a ninguém dizia, mas sabia o porquê cantava.
Daquela forma era quase como se não existissem no meio de toda a sua existência.
Ali, publicamente, em frente a todos e a qualquer um; no rio, na bica, nas calçadas, debaixo de pesos, na frente do carro, no cais, cantavam. E cantariam sempre enquanto houvesse.
Aquele modo de trabalhar.
Poucos percebiam. Quase que lado a lado caminhavam, e poucos percebiam.
Ouvidos velados para bocas veladas. Deveriam estar veladas, mas cantavam.
Bocas “veladas”, sim. Ouvidos, jamais
Quem nada diz, tudo escuta. Escutam aqueles que de ouvidos velados, têm bocas que escarram.
Mas escutam também seus iguais. Que nada deveriam dizer, e que de fato pouco dizem, mas que cantam.
Assim, cantam não para ninguém, mas para semelhantes.
Cantam, cantam, cantam, iê.
E uns aos outros escutam seus lamentos, murmúrios, dengos, suspiros... Na beira dos rios, debaixo das pedras, entre cordas, de cima dos muros.
Enquanto trabalham confessam. E aquele que escuta também confessa. Numa roda, as canções giram.
Tudo gira e retorna.


Quando visito este tempo, sinto como se tudo acontecesse sem cores. Percorro as ruas procurando os cantos, e quando uma fresta de luz tinge o horizonte, sei que vem de uma melodia.
Corro em sua direção e encontro a fonte; olhos vivos, costas cansadas, mãos grossas, corpos bem torneados, que por um vento forte esqueceram a que vieram.
Esqueceram, não.
Lembram bem.
Mas é com o balanço que lembram. Com o ritmo que recordam. Com a pulsação que têm certeza de que a memória que sua cabeça abriga lhes falta.
Ao contrário do que dizem, não cantam para combate, mas para recordar a si próprios e aos outros o que apenas seus corpos lembram.


E deste corpo que origina toda a melodia nascem cores. E só dele a inovação pode ser feita. E só com ele posso conversar. Mas não pertenço aquele tempo. Então a ele sou um fantasma que o observa de faces quase coladas, sem que ele pudesse me ver.
Faço coro em seus refrãos, mas ele nada escuta e acredita que canta só.
Aproximo-me tanto que quase acredito que ele pode sentir minha respiração. E quando nossos olhos se encontram, sinto a quantidade de força ali armazenada. Fundo bem fundo. O mais dentro de cada um.
Depois quando sinto que me percebe, e que posso a ele somar, seus olhos se voltam para outra direção e ignoram-me.
Cores diferentes.
Passo a só apreciar seus cantos durante os trabalhos. Passo a ser só alguém que contempla e que constrói só.
Vou construir com eles, mas nunca saberão.

Torço para que estes que nada dizem, mas que tudo escutam e sobre tudo dançam e cantam, a visão não engane.


Barbara

domingo, 8 de setembro de 2013

Amor Plúrimo

E de repente todos os braços ao mesmo tempo se cansaram. E de repente todos os corpos brilhavam no sol quente. E de repente todas as visões se embaralharam, e o ar entrava como agulhas pelas narinas largas. E de repente todos suavemente pausaram, e por alguns segundos fixaram seu olhar na terra. E de repente todos continuaram.

Baraúna é uma árvore. Dura como aquele olhar. Fere feito faca. Baraúna não cai. Baraúna continua ali de pé, parada, aconteça o que acontecer. Baraúna é grande e forte. Se Baraúna cair, quanto mais eu.

E de repente os músculos sentiram-se fisgar, mas não de exaustão, mas pelo olfato. Um cheiro ao longe fora identificado por todos os narizes largos. Nem por isso houve uma pausa, nem por isso os facões cessaram. Nem por isso a dor diminuíra. E de repente todos tentavam identificar que cheiro era aquele; tão diferente dos que sempre os cercavam, mas já muito conhecido.

Havia uma Baraúna a poucos quilômetros de distancia, e ela agora se envergava. O vento falava ao pé do ouvido de cada folha. Ou melhor, lhe gritava as boas novas, e a árvore sorridente amolecia diante do que chegaria.

E de repente aquele cheiro impregnou-se em todos os corpos. E de repente um frescor entrou pelas poucas vestes, e a terra pareceu soltar um profundo suspiro em baixo dos pés descalços. E de repente da profunda inspiração que a terra fizera, sua expiração viera com pequenas gotas de água. Vieram saudar aquelas que por cima chegariam.

Baraúna não é homem, mas Baraúna fala. Baraúna não é mulher, mas Baraúna chora. Baraúna não é criança, mas Baraúna dança. Baraúna não é velho, mas Baraúna sabe. Baraúna não é de ninguém, mas Baraúna sofre.

E de repente os corpos de todos estremeceram. Não pelo cheiro, não pelo frescor, mas pelo rugido. Não da terra que escancarava sua língua para fora, não da Baraúna ao longe que urrava em saudação. Mas daquilo que vinha do céu. E de repente os corpos se endireitaram, há muito não deixavam de estar curvados. E de repente os facões caíram pelo terreno e as mãos esticadas, fizeram a pele há muito tencionada, rachar. E de repente o peito de cada um inflou numa ultima respiração pesada.

Baraúna dançava. Baraúna urrava. Se Baraúna tivesse rosto, teria uma expressão de amedrontadora beleza. Se alguém estivesse vendo aquela Baraúna naquele instante, mais nada veria.


E de repente homem a homem, lado a lado, feridos e castigados, foram engolidos pela terra que estendia sua enorme língua para da chuva beber. E de repente, choveu.


[Como canalizar um vazio tão grande?]


Barbara