sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Acerca de tudo

[Como ser parte de um grupo tão bem definido e ainda inovar?]


Ali onde tudo tinha outro significado.
No meio da cantoria, quem passava não assistia.
O coro a ninguém dizia, mas sabia o porquê cantava.
Daquela forma era quase como se não existissem no meio de toda a sua existência.
Ali, publicamente, em frente a todos e a qualquer um; no rio, na bica, nas calçadas, debaixo de pesos, na frente do carro, no cais, cantavam. E cantariam sempre enquanto houvesse.
Aquele modo de trabalhar.
Poucos percebiam. Quase que lado a lado caminhavam, e poucos percebiam.
Ouvidos velados para bocas veladas. Deveriam estar veladas, mas cantavam.
Bocas “veladas”, sim. Ouvidos, jamais
Quem nada diz, tudo escuta. Escutam aqueles que de ouvidos velados, têm bocas que escarram.
Mas escutam também seus iguais. Que nada deveriam dizer, e que de fato pouco dizem, mas que cantam.
Assim, cantam não para ninguém, mas para semelhantes.
Cantam, cantam, cantam, iê.
E uns aos outros escutam seus lamentos, murmúrios, dengos, suspiros... Na beira dos rios, debaixo das pedras, entre cordas, de cima dos muros.
Enquanto trabalham confessam. E aquele que escuta também confessa. Numa roda, as canções giram.
Tudo gira e retorna.


Quando visito este tempo, sinto como se tudo acontecesse sem cores. Percorro as ruas procurando os cantos, e quando uma fresta de luz tinge o horizonte, sei que vem de uma melodia.
Corro em sua direção e encontro a fonte; olhos vivos, costas cansadas, mãos grossas, corpos bem torneados, que por um vento forte esqueceram a que vieram.
Esqueceram, não.
Lembram bem.
Mas é com o balanço que lembram. Com o ritmo que recordam. Com a pulsação que têm certeza de que a memória que sua cabeça abriga lhes falta.
Ao contrário do que dizem, não cantam para combate, mas para recordar a si próprios e aos outros o que apenas seus corpos lembram.


E deste corpo que origina toda a melodia nascem cores. E só dele a inovação pode ser feita. E só com ele posso conversar. Mas não pertenço aquele tempo. Então a ele sou um fantasma que o observa de faces quase coladas, sem que ele pudesse me ver.
Faço coro em seus refrãos, mas ele nada escuta e acredita que canta só.
Aproximo-me tanto que quase acredito que ele pode sentir minha respiração. E quando nossos olhos se encontram, sinto a quantidade de força ali armazenada. Fundo bem fundo. O mais dentro de cada um.
Depois quando sinto que me percebe, e que posso a ele somar, seus olhos se voltam para outra direção e ignoram-me.
Cores diferentes.
Passo a só apreciar seus cantos durante os trabalhos. Passo a ser só alguém que contempla e que constrói só.
Vou construir com eles, mas nunca saberão.

Torço para que estes que nada dizem, mas que tudo escutam e sobre tudo dançam e cantam, a visão não engane.


Barbara

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