terça-feira, 30 de abril de 2013

Catarina vira do avesso


Todos nós devemos ter um mar ou um lago interior, que de tão fundo nos liga há infinitos lugares e pessoas. Assim, quem conhece bem as profundezas e as antigas sabedorias do universo, pode mergulhar nas escuras passagens milenares, e entrar em qualquer um de nós. Evitando preocupações desnecessárias, adianto que possivelmente exista uma ética universal, que não permita a qualquer um ter o passe livre para entrar em qualquer Ser. Daí ser necessário conhecer, e provavelmente ser formador, das sabedorias universais.


Um dia Catarina de tanto fechar os olhos, virou do avesso. Entrou para dentro de si como se tivesse engolido a si mesma. Assim que abriu os olhos para si, se deparou com uma paisagem que nunca havia visto.

- Onde estou? – Sua voz ecoou  sem fim.

Ao tentar se colocar de pé, caiu como um saco de batatas. Havia perdido as dimensões de seu corpo, parecia estar mais leve do que era, e seus órgãos mais pesados.

- Não devia ter comido a ultima macarronada, bem que a titia disse. Mas o molho era bolonhesa! E o pão tão fresco! Não tinha o que fazer. – Dizia ela com as mãos na cabeça caída no chão. – Bem, agora bem feito, estou fora de mim.

Na verdade, ao conseguir achar seu novo ponto de equilíbrio e caminhar alguns passos ao redor, Catarina pode atestar que nunca estivera tão dentro de si como naquele momento. O choque a fizera quase desequilibrar novamente.

- Não pode ser! – Ela levara as mãos à boca.

Não havia nenhuma placa que indicasse: “Interior de Catarina por aqui”, ou “Sentimentos a esquerda, Pensamentos a direita”, ou quem sabe “Atenção, a partir dos 16 anos Medos e Sonhos andem sempre em pares, por favor”, não. Não havia nada que indicasse objetivamente que estava dentro dela mesma. Mas como alguém poderia não saber de si? O cheiro daquelas paredes pegajosas, as cores que pareciam vir de nenhum lugar, mas ao mesmo tempo serem tudo, aquela sensação de familiaridade... Não havia o que contestar.

- Eu estou presa dentro de mim, socorro!! Socorro! Alguém está me ouvindo?

E ao perceber de uma forma confusa que sua voz não saía da sua boca externa, mesmo sem poder vê-la, começou a tentar abrir os olhos de fora, desesperadamente. Esta ultima ação teve como resultado uma quase torção do pescoço, algumas cambalhotas de costas e quedas repentinas. Nada funcionaria, ela já estava dentro, para sair, algo teria que acontecer.

Sentada sobre si mesma, decidiu investigar o que ali abrigava. Se Catarina fosse um pouco mais velha não teria saído do seu lugar, e teria fechado os olhos possivelmente para sempre. Pois, com alguns anos a mais, saberia que não há limite para o que podemos encontrar dentro de nós mesmos, ainda mais, se tratando daquilo em que há muito queremos esquecer.

Contudo Catarina não era nem muito nova para chamar pela mãe, nem muito velha para acabar definhando dentro de si mesma. Catarina estava no momento exato, e não sei se isto é pleno acaso, de caminhar em seus interiores com curiosidade sobre o que encontrar. E de principio encontrou logo o que mais queria, uma porta.

O lago que se estendia na frente de Catarina parecia não haver fim, provavelmente até fosse um mar, ela pensou. Ele tinha um tom esverdeado quase cinza, e as vezes, quando aquela luz – que não se sabia de onde vinha – o tocava, podia assumir um verdadeiro tom de prata. Quis imediatamente tocar para saber sua temperatura, mas estancou os pés no chão quando lembrou de um livro que havia acabado de ler, onde um velho lago adormecido, depois de tocado, despertava um exército de zumbis. Mas logo em seguida franziu as sobrancelhas para si mesma, desde quando ela tinha um exército de zumbis dentro de si?

Bom, se estava dentro dela mesma, aquele lago teria uma temperatura morna. E assim que o tocou com a mão direita, confirmou sua teoria. Suspiros de satisfação preencheram o ar, mas tão logo foram silenciados pela nova pergunta que se deparava em sua cabeça.

- Não sei se me conheço tão bem assim, ao ponto de saber se dá pé.

Catarina havia cogitado entrar no lago, mas o que ele podia conter? Tudo dependia de quando havia se formado no seu interior; se tivesse sido criado quando era pequena, ele teria todos os tipos de criaturas que poderiam devorá-la e levá-la para um nível mais fundo ainda de si mesma. Se tivesse sido criado no ultimo verão, provavelmente a correnteza a levaria para uma ilha. Agora, se foi criado nas ultimas semanas... Daí não gostaria nem de passar perto da margem.

Pela primeira vez desde que acordara ali, um calafrio percorreu sua espinha. Ela entraria e sabia que sairia de si mesma. A questão é que também sabia que não voltaria para sua própria superfície, mas mergulharia fundo. Só que desta vez dentro de outra pessoa.

(continua)


Barbara

domingo, 21 de abril de 2013

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Compreendendo o tamanho de tudo, 
transformo minha vida
em um constante esforço,
para não ser engolida.
















 

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Barbara fala

Na verdade, há um episódio em minha vida, que ainda está estupidamente mal resolvido. Não que falar sobre ele aqui, publicamente, vá resolver alguma coisa, mas prefiro seguir minhas intuições – elas têm se mostrado muito mais eficazes do que qualquer outro raciocínio.

Existe uma autora da qual eu gosto muito, aliás, li quase todos os seus livros – com exceção de um, que estrategicamente me mantive distante por hora – e um feliz acaso do destino, fez com que sua biografia fosse lançada no cinema há um tempo. Nada mais justo do que assisti-la, comprar o DVD e elegê-la como um dos meus – seis – filmes favoritos.

Até então, tudo se desenrola de uma forma racionalmente lógica e esperada.

No filme, minha querida autora recebe uma indicação de leitura, e não só a lê, mas torna-se um livro determinante em sua vida. Com o tempo, eu, espectadora da espectadora, vou ficando com este detalhe na cabeça. Decido que quero lê-lo, anoto seu titulo e autor, e despreocupadamente vou a sua busca.

Não encontro.

Esgotado em todos os lugares. Tenho o desejo de lê-lo, mas também não me abalo muito. Passam-se dois anos sem encontrá-lo em nenhuma língua ou tradução que fosse. Não entendo porque, não é um livro desconhecido, mas sim publicado e lido consideravelmente, até aqui no Brasil.

Havia virado rotina entrar em um sebo e perguntar, antes de mais nada ou antes de tudo, pelo próprio. Ninguém fazia menção de conhecê-lo.

Até que um dia marquei de ir ao cinema – na Augusta – com uma amiga.

Cheguei antes, claro.

Olhei para o outro lado da rua e reparei naquele “pseudo boulevard” logo na mesma altura que o cinema. Minha intuição indicou para ir dar uma volta, e eu obedientemente a segui. Não gostei de nada.

Avistei por fim um sebo e pensei, pra quê entrar num sebo agora? Não preciso comprar nada, pelo amor de deus, vou sair com dez livros daí, vou ter que ficar carregando... Intuição manda e não pede, e eu já aprendi; obedeço e não questiono.

Começo a minha via sacra: “Oi, você por acaso tem “A Vida nos Bosques” do Henry Thoreau?”, já olhando em volta para continuar minha jornada, porém recebo uma resposta diferente: “Não, não tenho. Mas eu queria muito também”. Como assim queria muito também? Uma pessoa em carne e osso que sabia da existência do livro? Mantive-me calada e ele seguiu: “Mas sabe, eu tenho um amigo que estava falando alguma coisa sobre isso... Espera, aqui.”. E assim ele me deu um cartão de outro sebo que ficava dois quarteirões para baixo dali. Fui.

Não me entendi. Por que meu coração está acelerado? É pela ansiedade da negativa quando chegar, ou porque de fato estava descendo correndo a Augusta?

Chego ao sebo. Vamos para via sacra. “É, eu comprei”, “Você o que?”, “Eu comprei. Rolou uma coisa esquisita semana passada, a L&PM Pocket lançou algumas edições antigas e eu comprei ali na banca da Paulista, perto do Belas Artes”. Dessa vez, eu subi correndo.

O que aconteceu foi que cheguei à banca, havia um ultimo exemplar e eu o comprei, doentemente.

Não tive coragem de ler a contracapa, o índice, a ultima frase, nada. Coloquei-o na estante.

O caso não é este.

O caso é que um mês depois, tornei a ver o filme e me deparei com uma situação... Sem adjetivos para descrevê-la: O livro que a minha, querida, autora Jane Austen lê na sua vida, não era “A Vida nos Bosques” como eu tanto já havia constatado e depois de muito tempo procurado, mas sim “A história de Tom Jones” de Henry Fielding.

“A Vida nos Bosques” não é citado em nenhum momento no filme, eu nunca ouvi falar deste livro, a não ser na minha memória sobre o filme. Desconhecia completamente o autor... Ou seja, passei dois anos da minha vida, procurando um livro que nunca ouvi falar, que nunca ninguém me indicou. E agora que faz um ano que o comprei, nunca o li. Ele permanece em minha estante.

Está ai uma situação que não sei como proceder. Porque como muitos sabem, coragem não me falta, mas se tem uma coisa de que sei bem: É que só podemos ler um livro quando ele canta para nós.

Este livro cantou para mim, incessantemente, durante anos. Agora está calado.

Não sei quando cantará. E também, não sei que dança vou dançar quando ele começar.


Barbara

sábado, 13 de abril de 2013

Cicatrizar

Sou terrível nos decassílabos [sabes bem]
Quando os divido,
fico estancada no movimento de
ontem.

 

Ser leve
Para ser leve é necessário brecar.
Abrir mão de todos os sentimentos anteriores e respirar.
Relevar sem importar para o presente, o que ao presente não mais pertence.
Tirar os nós do corpo quando se está em presença e deixar.
É difícil só respirar
apenas estar
Permita-me ser apenas eu
e mais nenhum sentimento
Quero ser, o presente verdadeiro.



Há pessoas que são cicatrizes vivas.
Não porque algo tomou conta delas,
mas porque o são.
São como ranhuras no mundo,
fendas escancaradas que as vezes nos sugam.
Guardam o passado no ser,
e prendem o ser na previsibilidade.
Fendas de sorrisos vazados,
b
rechas na terra seca e esturricada
Há pessoas que são cicatrizes do mundo.
 
 
Barbara

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Enchente!

A aqueles que andam ao meu redor,


De repente tudo por dentro é um dilúvio. Há ansiedade e uma mescla de desespero sinalizando algo que está por vir. Algo que entala na minha garganta, pois percebo que tudo tenta passar de uma vez. Minha alma de repente começa a inchar e a querer transbordar. Pelo amor de deus, chamo meus amigos, coloquem baldes e bacias ao meu redor depressa, começarei a vazar! E depois, sabe lá deus como vou me encontrar.
Quando viro meu olhar para dentro, para tentar enxergar o que tanto cresce e me inunda, é como se eu olhasse para debaixo da água. Tudo está embaçado e completo, repleto. Não consigo tomar distancia o suficiente para visualizar.
Tenho que me conformar em ir descobrindo ao passo que tudo vai vazando. O problema é a força com que isto vem. Quando começar a transbordar não será como uma pequena calha, mas uma enxurrada há muito acumulada.
É isso, de repente meu rio ganhou terreno, um terreno íngreme, com certeza.
A ansiedade é por querer saber o que é, o medo é pelo modo como que vai sair, o prazer (do desconhecido) é por querer saber onde vai dar, e o desespero é que estou para me afogar.
Amigos, receio que talvez algumas bacias não sejam o suficiente. É melhor segurarem-se firmes nas árvores, porque talvez eu os leve comigo. A não ser que queiram ir.
Não, não sei o que é. Não. Nem se é seguro. Do que se trata? Se eu soubesse, não estaria vivendo e me surpreendendo depois, não é? Sim, é isso. É forte, porque está presente.



Barbara