Todos nós devemos ter um mar ou
um lago interior, que de tão fundo nos liga há infinitos lugares e pessoas.
Assim, quem conhece bem as profundezas e as antigas sabedorias do universo,
pode mergulhar nas escuras passagens milenares, e entrar em qualquer um de nós.
Evitando preocupações desnecessárias, adianto que possivelmente exista uma ética
universal, que não permita a qualquer um ter o passe livre para entrar em qualquer
Ser. Daí ser necessário conhecer, e provavelmente ser formador, das sabedorias
universais.
Um dia Catarina de tanto fechar
os olhos, virou do avesso. Entrou para dentro de si como se tivesse engolido a
si mesma. Assim que abriu os olhos para si, se deparou com uma paisagem que
nunca havia visto.
- Onde estou? – Sua voz ecoou sem fim.
Ao tentar se colocar de pé, caiu
como um saco de batatas. Havia perdido as dimensões de seu corpo, parecia estar
mais leve do que era, e seus órgãos mais pesados.
- Não devia ter comido a ultima
macarronada, bem que a titia disse. Mas o molho era bolonhesa! E o pão tão fresco!
Não tinha o que fazer. – Dizia ela com as mãos na cabeça caída no chão. – Bem,
agora bem feito, estou fora de mim.
Na verdade, ao conseguir achar
seu novo ponto de equilíbrio e caminhar alguns passos ao redor, Catarina pode
atestar que nunca estivera tão dentro de si como naquele momento. O choque a
fizera quase desequilibrar novamente.
- Não pode ser! – Ela levara as
mãos à boca.
Não havia nenhuma placa que
indicasse: “Interior de Catarina por aqui”, ou “Sentimentos a esquerda,
Pensamentos a direita”, ou quem sabe “Atenção, a partir dos 16 anos Medos e Sonhos
andem sempre em pares, por favor”, não. Não havia nada que indicasse
objetivamente que estava dentro dela mesma. Mas como alguém poderia não saber
de si? O cheiro daquelas paredes pegajosas, as cores que pareciam vir de nenhum
lugar, mas ao mesmo tempo serem tudo, aquela sensação de familiaridade... Não
havia o que contestar.
- Eu estou presa dentro de mim, socorro!!
Socorro! Alguém está me ouvindo?
E ao perceber de uma forma
confusa que sua voz não saía da sua boca externa, mesmo sem poder vê-la,
começou a tentar abrir os olhos de fora, desesperadamente. Esta ultima ação
teve como resultado uma quase torção do pescoço, algumas cambalhotas de costas
e quedas repentinas. Nada funcionaria, ela já estava dentro, para sair, algo
teria que acontecer.
Sentada sobre si mesma, decidiu
investigar o que ali abrigava. Se Catarina fosse um pouco mais velha não teria
saído do seu lugar, e teria fechado os olhos possivelmente para sempre. Pois,
com alguns anos a mais, saberia que não há limite para o que podemos encontrar
dentro de nós mesmos, ainda mais, se tratando daquilo em que há muito queremos
esquecer.
Contudo Catarina não era nem
muito nova para chamar pela mãe, nem muito velha para acabar definhando dentro
de si mesma. Catarina estava no momento exato, e não sei se isto é pleno acaso,
de caminhar em seus interiores com curiosidade sobre o que encontrar. E de principio
encontrou logo o que mais queria, uma porta.
O lago que se estendia na frente de
Catarina parecia não haver fim, provavelmente até fosse um mar, ela pensou. Ele
tinha um tom esverdeado quase cinza, e as vezes, quando aquela luz – que não se
sabia de onde vinha – o tocava, podia assumir um verdadeiro tom de prata. Quis
imediatamente tocar para saber sua temperatura, mas estancou os pés no chão
quando lembrou de um livro que havia acabado de ler, onde um velho lago
adormecido, depois de tocado, despertava um exército de zumbis. Mas logo em
seguida franziu as sobrancelhas para si mesma, desde quando ela tinha um
exército de zumbis dentro de si?
Bom, se estava dentro dela mesma,
aquele lago teria uma temperatura morna. E assim que o tocou com a mão direita,
confirmou sua teoria. Suspiros de satisfação preencheram o ar, mas tão logo
foram silenciados pela nova pergunta que se deparava em sua cabeça.
- Não sei se me conheço tão bem assim,
ao ponto de saber se dá pé.
Catarina havia cogitado entrar no
lago, mas o que ele podia conter? Tudo dependia de quando havia se formado no
seu interior; se tivesse sido criado quando era pequena, ele teria todos os
tipos de criaturas que poderiam devorá-la e levá-la para um nível mais fundo
ainda de si mesma. Se tivesse sido criado no ultimo verão, provavelmente a
correnteza a levaria para uma ilha. Agora, se foi criado nas ultimas semanas...
Daí não gostaria nem de passar perto da margem.
Pela primeira vez desde que
acordara ali, um calafrio percorreu sua espinha. Ela entraria e sabia que sairia
de si mesma. A questão é que também sabia que não voltaria para sua própria
superfície, mas mergulharia fundo. Só que desta vez dentro de outra pessoa.
(continua)
Barbara
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