sexta-feira, 19 de julho de 2013

Múrmuros


Quando se trata de passar.

Calados à espreita é que ficam. Ouço-os dizer apenas porque leio mentes, do contrário não ouviria.

Já ouvi alguns dizerem que se sentem atravessados, rasgados e ultrapassados. Sentem como se a cada instante fossem tomados e deixados de mãos vazias. Levam tudo o que têm e não deixam direito de reivindicação divina.

Dizem que sabem da impossibilidade de retomar qualquer respiração, rajada de ar ou vento que fosse. 

Não podem mais enxergar aquele que os assalta incessantemente ao passar. É da sua infelicidade que nascem seus lamentos.

A todo o momento, são ultrapassados pelo tempo.




Como fazer o oposto? Serei eu quem do tempo irá ultrapassar?

Dobrar as esquinas antes delas existirem.

Subir as escadas antes dos degraus se firmarem.

Colher o que ainda não brotou.

Se da ansiedade me pertenço, só a ilusão irei encontrar.




- O que são golpes de memória?
- Quando no meu raciocínio... No meio da conjugação da frase, um rosto surge! Paro, risco. Volto e desenvolvo. A argumentação se estende, os pontos de vista são formados, e surge um rosto! Paro, risco. Retomo. Enredo se desenvolve, vírgulas se estendem, sigo colada aos parágrafos até que um rosto! Paro, risco. Respiro, e continuo.
- Golpe de memória é um eufemismo?



Já havia estado aqui antes. Ler Hoje, clicar.

Barbara

terça-feira, 9 de julho de 2013

Colina, não oiteiro

Sugiro a leitura de Corrente Leste Australiana, só clicar aqui.


Quando vem a necessidade de talhar algo
o desejo de fazê-lo surge das entranhas,
visualizar algo com clareza do meio de seus olhos
e desenterrá-lo com as mãos,
ver os excessos saírem e serem descartados
até surgir o invisível;
e quando aparece, parece que ali sempre esteve
que a grande massa que ali ocupava, nunca existiu,
a essência não se libertara, mas sempre estivera,
a canção fala e eu cavo;
proibido escavar; não agora docinho
agora ela canta e tudo roda mais uma vez,
hei hei hei hei hei hei




Como era? Li duas vezes.
Eles corriam, corriam, corriam
como nunca imaginaram que fossem capazes.
Não sei ao certo por quanto tempo correram,
anos, anos e anos
talvez pela eternidade inteira.
Suas roupas eram feitas de vento
seus pés eram chão, ar, chão, ar, chão, ar, chão, ar, chão
sucessivamente para sempre,
nada estava deslocado, tudo profundamente integrado.
Correram porque vivos já não estavam.
Correram porque tanto fazia, contanto que tudo seguisse.
Lançavam olhares uns para os outros em movimento,
o prazer era intrínseco
e não vinha dos músculos, porque estes não existiam.
O prazer era apenas o ser.
Não habitavam mais seus corpos, suas casas
a pele da alma, nada
os mundos os habitava, e assim era, ié
Como a gente aprende que vai ser
só que não lembra.



Barbara

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Pra germinar

[Talvez se você começasse a pensar quanto tempo você dura]


ocupo-me a pensar
sem poder me desocupar
ocupando-me de ar

e de tanto que tenho
nenhum espaço há de me faltar
não podendo respirar

meu ar não é espaço
mas massa que preenche
solidifica e transforma

quanto mais, separa
quanto menos, une
pr’alguns


do nada que há entre
passa a existir
se tudo houvesse
imobilidade seria

cresce então
um movimento no vazio
do contrário,
nada teria

meu vazio é ar
e meu ar tudo ocupa
se ocupa, tudo é
se tudo é, não é vazio

volta à imobilidade
dela nasce movimento
nada sou.





A verdade é que [agora], quando não só,
ao respirar, infarto infinitas vezes ou uma vez por segundo – como preferir.




Barbara

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Inocência tracejada

Observando o outro pisar apenas onde traçava uma linha no chão, perguntou:

- O que está fazendo?
-  Delimitando com certeza absoluta.
- Delimitando o quê?
- Onde é seguro... Onde não há riscos e diferença vibracional. Assim posso voltar sempre por estes caminhos. Ficam fáceis de achar – Faz uma pausa para mostrar a fita branca que colava no chão - Entende? Onde marco um X, já sei que não posso retornar.
- Entendo, entendo, claro. Mas e se de repente você pisar do lado de fora da linha?
- Que besteira, não tem porquê fazer isto.
- Mas poderia acontecer.
- Não, não poderia.
- Poderia sim. Veja, eu posso te empurrar...
Assim que escorou seus ombros com o do outro e aumentou o peso pra empurrá-lo, o outro rapidamente se esquivou e soltou um grunhido desesperado.
- Saía daqui! Não me atormente! Deixe-me em paz! – Virou as costas e seguiu por um caminho já demarcado, até que parou em um local e ficou confuso, quase indignado.
- Qual é o problema? – O primeiro pergunta ao analisar a respiração do outro subir e descer sem parar.
- Não é possível... Eu tenho certeza! - Olhava para o chão como se procurasse algo debaixo do próprio nariz.
- Certeza de que? – Aproximando-se e tentando enxergar o que o outro parecia querer ver.
- Aqui devia haver... É certo que sim! Como pode? Olhe só para esse lugar, deveria haver um X bem aqui! E eu tenho certeza que já o coloquei!
- Mas não há X aqui, logo deve ser seguro. Vamos, pise...
- Você só pode estar louco. Se fosse seguro teria uma linha muito bem tracejada...
- Mas não tem, é um caminho novo com infinitas possib...
- Pelo amor de deus! Pare de dizer tolices. Este local, este local é muito imprevisível, sabe lá o que poderia me acontecer aqui. Tenho certeza que esse é o tipo de local onde as coisas não saem como esperado...
- Mas isso é bom, imagine...
- Por favor! Aposto que é onde não se pode mais voltar atrás... Muito suspeito. Imagine! Tomar uma decisão e arcar sozinho com todas as consequências!
- Mas é disto que é feito a vida! Você pode reinventar... - Parou de falar ao notar o olhar de desprezo que lhe era lançado.
- Você é o ser mais imprudentemente tolo que eu já vi! Não posso evitar, este definitivamente é o pior lugar onde já estive.
- Escute, calma. Você só anda por lugares onde não tem... Como é mesmo?
- Diferença vibracional.
- Isto! – Fingia concordar. - Ou seja, as coisas nunca são criadas, elas continuam lineares, sem incômodos, na sua zona de conforto. Como você espera viver grandes coisas...
- Quem falou em viver grandes coisas? Viver já me dá trabalho o suficiente! Imagine! Você entende, que solto por ai – Apontando para o outro com displicência.  - Vivendo num mundo sem linhas, sem certezas, você se desgasta o tempo todo?
- Sim, mas...
- Em uma hora você tropeça em uma pedra que não havia visto e escalpela o dedo! Outra vez caí num buraco e saí com todos os músculos doloridos. Outra dá com a testa na parede... Tudo, tudo para o quê? Se no fim você é sempre o mesmo? Por favor, pare! Deixe-me só, porque agora - Apontando para o chão - Nem paz eu tenho mais.
- Você devia...
- Eu não devia nada! Aqui é o tipo de caminho que com certeza leva a algum lugar...
- Perfeito! Então! Vamos! Você tem uma certeza...
- E este é exatamente o meu problema. Ele leva a algum lugar, provavelmente um lugar certo, de fato meu caro, você estava certo. Este caminho leva a algum lugar certeiro!
- Eu sabia que você veria! Pois muito bem, então vamos lá.
- De forma alguma. Agora as coisas pioraram muito, obrigado por me fazer enxergar. Eu não sei onde este caminho vai me levar... É um caminho certo, mas o seu fim não, na verdade, muito incerto. Agora mais do que nunca devia haver um X aqui. Tudo piorou muito.
-  A culpa é singular e intransferível... – Olhando o outro pelo o que lhe parece uma eternidade, mas nota algo mais a distancia - Olhe! Há um X ali!
- É mesmo! Devia ser aquele X de que eu me lembrava. Não devo ter nunca passado por aqui.
- Muito bem, e agora?
Seu olhar vai do chão para o outro, do outro para o chão.
-  Definitivamente este não é um bom lugar. - Retira a fita branca do bolso e coloca um X ali.




Barbara