segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Memórias I

Já que nunca falo diretamente de mim...


Passei minha vida indo e quase morando na praia.
Vivendo literalmente dez dias de cada mês, e os três meses inteiros de férias.
Tenho um milhão de coisas para contar, mas a primeira só podia ser essa: a minha primeira descoberta prazerosa - provavelmente aos três anos de idade.


Começa pelo fato de:
Eu tenho arrepio de areia.
Não de qualquer areia, só da areia dura. Se for a areia molhada do mar ou a fofa mais quente, não há problema. Mas se for aquela em que as pessoas ficam raspando os dedos, escrevendo com palitos ou onde montam seu acampamento, ai é outra história.
Morro de arrepio.
Na hora de estender as cadeiras, fincar o guarda sol, arrastar os chinelos... Eu sempre tomo uma distancia grande o suficiente para não ouvir nenhum chiado, nenhum raspão na areia, nenhum nada. Se não torço os lábios, tenho arrepios e tremeliques.
Areia me dá arrepio. Soma-se com o fato de que na praia faz muito calor, a gente sua, gruda, a areia gruda de todas as formas, a água do mar com sal gruda, o sorvete que cai gruda, o chinelo que você vai calçar para ir embora gruda e acumula areia empelotada dentro, tudo, tudo, tudo, contribui para estarmos num nível de grude altíssimo.
Tudo isto sempre compôs a minha situação na hora de ir embora.
O que não era qualquer situação, mas uma caminhada de 400m até a minha casa debaixo de um calor infernal, carregando ou duas cadeiras, ou sacolas de água, ou toalhas, ou bolas, ou raquetes ou qualquer coisa do tipo.
O caminho inteiro, desde o primeiro momento em que eu pisava fora da areia, só uma coisa pairava em minha mente: o momento que eu chegasse em casa e me limpasse.
Tudo era completamente irritante na volta.
Socorro, alguém me tire de mim mesma.
Quantas vezes sonhei em construir uma esteira gigante que percorresse aqueles 400m. Quantas vezes sonhei em ganhar uma promoção onde surgiriam pessoas com uma liteira e me carregariam de volta pra casa. Quantas vezes sonhei em voar. Quantas vezes sonhei que a rua se transformasse numa enorme piscina e eu fosse nadando até a minha calçada...
Mas quando eu chegava... Água doce e gelada. Um banho.
Não havia melhor dádiva do que esta.
O banho que lavava a minha alma.
E em seguida, estando completamente fresca, não queria tocar em mais nada que pudesse acrescentar um grão de areia no meu corpo. Só ficaria ali, na rede, no vento,
tranqüila...
Poderia-se ter tirado um bilhão de fotos minhas nesse momento; com um, dois, três, dez, quinze, dezessete anos de idade. E em todas meu semblante refletiria a paz suprema em que me encontrava.
Livre da prisão que o calor e a sujeira me sujeitavam.
Está ai, meu primeiro momento de prazer verdadeiro.
Não posso acabar de relatar essa memória, porque ela pula para outra e para outra e para outra... Apenas pessoalmente, com uma boa xícara de chá quente, pão e descalça é dado as chances de continuar com os relatos...
Ainda bem que os blogs ainda são antiquados e não proporcionam isto.
 
Barbara

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