quinta-feira, 16 de maio de 2013

O Outro

Ontem escrevi:



Hoje, pela primeira vez na vida, desejei poder ficar invisível. Para ser apenas para mim mesma. Para a minha imagem não ser encontrada por mais ninguém. E para ela não encontrar.

Queria poder ficar entre a multidão, sem a multidão estar comigo, e poder sentir estes arrepios sem ser notada. Hoje eu não queria me dividir – ser roubada de mim mesma.

Hoje eu queria só viver. Mas para isso ninguém pode ter-me no horizonte. Pois sob o olhar de qualquer um, minha existência não é legitimamente pura. Se outro me nota, mesmo que sem me conceber de fato em sua consciência, eu passo a olhar-me no reflexo de seus olhos, e deixo-me para trás.

Esqueço de mim na minha verdadeira essência, e acabo por considerar como verdadeira aquela que o outro me tem.

É neste momento que todos se perdem. No convívio intenso com uma ou mais pessoas, esquecem-se do seu eu verdadeiro – esquecem-se de olhar para dentro, e só vêem em frente – enxergando-se apenas refletidos nos olhos do outro.

Se o outro fosse um espelho de vidro, talvez esta imagem quase se equivalesse de forma íntegra a realidade – mas Alice tem razão –, mas não é.

Trata-se do reflexo nos olhos do outro, em um azul, em um castanho, em um acinzentado, e quem sabe ainda imerso em um verde. Não representando apenas a ti mesmo, mas somado a tudo que emerge do outro.

A convivência nos desloca um pouco de nós mesmos. Daí, o oposto ser tão forte: aquele que se transforma sazonalmente em um ermitão, partindo para caminhar no deserto sozinho ou apenas valoriza seus momentos de solidão – não no sentido cinza chumbo, mas no azul marinho ou salmão – se reconhece e conhece essencialmente cada vez mais. Seus olhos estão sempre voltados para dentro, ao passo que mesmo quando está disposto a olhar o que o rodeia – em um certo raio de distancia – é só a si mesmo que enxerga, pois seu reflexo não se encontra em nenhum outro olhar.

De todos as questões que podem ser tiradas disto, atento-me a;

Apenas sozinho vejo apenas a mim mesmo, verdadeiramente;
Ao olhar os outros, “distantemente”, continuo enxergando apenas a mim;
Contudo, acompanhado, enxergo-me misturado a aqueles que vejo de perto, sendo incapaz de me deslocar de suas figuras, para ver-me de forma verdadeira;

Penso, portanto: Preciso sempre me distanciar para ver minha verdadeira face? Junto ou separado não consigo enxergar o outro de forma sincera? Eu sempre partirei de mim para vê-lo?

Então escolherei permanecer fiel a mim mesmo ou distanciar-me de mim para ser fiel com o outro?

Abro mão de uma visão íntegra do meu espírito, e me compartilho?

Como expandir minha consciência para viver em conjunto, preservando meu espírito sem interferir de maneira rude, naquele que me acompanha?

Como agregar sem despedaçar?

Dou-lhe minha alma, mas não fique com nenhum pedaço dela.



Barbara

Um comentário:

  1. E assim criamos nossas travas.

    Acho que vou me isolar pra aprender a plantar bananeira.rs

    Mas falando sério, muito bom! Nunca tinha parado pra ler nada seu, me identifiquei.

    Obrigada

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