domingo, 29 de abril de 2012

Greve das Abelhas, parte II

(Parte I, localiza-se aqui)


Acabara. Nunca mais voltaria para casa. Sabia que podia dizer adeus ao seu cachorro Sardinha, e o levariam embora logo em seguida. Amarrariam um pé de cabra em seu pé e o jogariam no rio. Sem dúvida cortariam sua língua fora e a enfiariam pelo ouvido, para assim só ele mesmo ouvir as próprias asneiras. Tão logo...

Todos o olhavam incrédulos. Em milésimos de segundos ocorreu a todos – o que Frederico tinha certeza – que o homem havia enlouquecido. Mas desconstruíram aquilo rapidamente ao pensarem que nada parecido já havia acontecido, não seria possível...

- Deve ser um mal entendido... – dizia o carteiro ao recolher o boné que cairia no exato instante que Frederico se pronunciara.

D. Laura entrara em casa. O gordo apoiou-se no poste mais próximo, e Lucas não sentia mais as pernas e os braços. Por quanto tempo o estoque da sua casa aguentaria? E se insetos repousassem e se alimentassem do que ainda tinha? Sim, porque nunca havia se incomodado com eles, mas só havia pensado até então, pela ótica do nojo, não pela que eles seriam possíveis inimigos.

Todos agora repassavam mentalmente seus estoques caseiros. D. Laura que entrara para desligar a chaleira e assim ter de se preocupar com apenas o caso do lado de fora, aproveitava para checar quantos sachês ainda havia, doze. Lucas tinha doze garrafas no porão, o mesmo número do que o gordo, e o mesmo que todos daquela rua.

Eles compravam diariamente por garantia com seu Frederico caso, por alguma crueldade do destino, ele ficasse doente. O que no fundo sabiam que era impossível; ele era protegido pelas orações de todos os moradores, antes de dormir. Nada furaria aquela rede de bênçãos. Ou talvez furasse. Todos tinham interesse, logo talvez não fossem legítimos.

D. Laura voltara.

Quando aqueles dozes dias passassem, haveria uma guerra. Era só questão de tempo até a rua toda descobrir. Saqueariam as casas um dos outros, mesmo sabendo que também estariam vazias, seriam guiados pela esperança de que um deles fosse mais louco do que os outros e mantivesse um estoque gigantesco debaixo dos tacos do carpete de madeira.

Sangue seria derramado. Mas isto não era tão chocante, o que os preocupava era de quem seria esse sangue. Rezava a lenda que o sangue de seu Frederico era feito da mesma coisa que continha nas garrafas e nos sachês. E eles sabiam que não seria feito um pequeno furo no dedo para se tirar a prova, no calor do momento, decepariam-lhe a cabeça. E se for apenas sangue? Perderam o único homem capaz de coletar as garrafas! Não, não era sangue. E se fosse de fato o que estava dentro das garrafas, o desejo da multidão seria saciado por pouco tempo. Seria inútil aquela morte.

- O senhor pode nos levar até lá? – perguntou Lucas tremulo.

O velho levantara o olhar de súbito e encarava o menino. Era o melhor a ser feito.

- Vamos.


Barbara

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