terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Urubus

Recebi uma carta, acho que não era pra mim. Dizia assim:

Que urubus não atacam vivos é mentira. Mentira! Essa história de que eles veem lá do alto, o seu mais curto suspiro, e por medo não se aproximam, é mentira.
Tive muito medo dos urubus. Tive medo de que eles arrancassem meus olhos enquanto dormia, porque isso, eu sei muito bem que eles fazem. Essa história de que eles começam pelos olhos, pois é mais mole e fácil, é verdade. É verdade que eles usam as garras e o bico para furar.
Toda vez que eu dormia naquele deserto exilado, dormia em posição fetal, para não deixar nenhuma parte frágil e de fácil furto à deriva de suas garras. Não tive mais que uma hora de sono corrido, sem que despertasse com um sobressalto, pensando que alguém havia se aproximado.
Eu cheirava a carcaça, quanto tempo que não via água.
Eu tinha dimensões de uma carcaça, quanto tempo que não via comida.
Eu era uma carcaça, mas ainda respirava.
Eu ia morrer, claro que ia. Com certeza, e em não muito tempo. Mas não teria a morte podre e desgraçada de ter sido comido vivo por um urubu. De jeito nenhum! Se fosse morrer – e ia – seria pelos outros.
Aquele era o pior lugar que já havia estado. Eu odiava aquele deserto de osso e trapo! – apenas o que eu era. Aquela calmaria que embriagava e angustiava, no calor que zombava de mim sem cansar, exibindo cada vez mais seu sorriso cadavérico.
Eu dormia. Eu dormia em posição fetal no meio de duas linhas de trem. Os trens só passavam na noite escura. E passavam tão rápido, que era impossível num pulo embarcar. Um dia, achei que eles exalavam um calor peculiar no meio da noite fria. Assim, logo que eles chegaram, joguei um galho em sua direção; foi a única luz que vi durante a noite; fogo. Tentei pegar o galho de volta para fazer uma fogueira, mas a areia fria e traiçoeira o apagara.
Não se colhia nada naquele deserto. Nem o que se plantara por paciência, boa conduta e imbecilidade. Absolutamente nada.
Então era assim que eu dormia; completamente em pânico, com todos os ossos duros como os meus nervos, que já não existiam mais. Desejando com todas as forças, não acordar no dia seguinte e morrer sem culpa. Mas ao mesmo tempo, com medo de morrer e se arrepender, por não saber o que está por vir.
Todo dia era o pior dia da minha vida, apenas por saber que o seguinte seria pior ainda. A voz da boca e a da alma já não se pronunciavam mais, só a da mente que insistia em agredir a mim mesmo. É impressionante como é mais fácil sermos inimigos, do que amigos, de nós mesmos.
E tudo termina aqui, minha história não tem fim. Quando aquela ventania que já avisto aqui chegar, vai levantar da areia toda esta história que escrevi com meus dedos, e ninguém saberá do meu simples desejo, de perpetuar minha história.

Barbara

Um comentário:

  1. tenho medo dos meus urubus..

    ass. carcaça, que só bebe chá mate.. (pegou?)

    ResponderExcluir